Crónica de Jorge C Ferreira | A Hora da Sineta

Crónica

 

A Hora da Sineta
por Jorge C Ferreira

 

Apareceu um convite inesperado. Ir dizer poesia minha a um evento. A minha editora, “A Poética”, estava presente com uma banca. Os meus livros no meio de outros livros. Mais duas editoras com banca montada. Editoras numa terra importante. No Barreiro.

Já não ia ao Barreiro há muito tempo. Achei a viagem confortável e de uma rapidez inesperada. A velha Estação de Sul e Sueste de cara lavada. Eu a Isabel e uma companheira poetisa, Júlia Lello, que se encontrou connosco na mesma viagem.

Vieram-me logo à memória as viagens com o meu Avô nos velhos barcos cheios de madeiras. A chegada ao outro lado. Um tempo imenso de viagem. A difícil atracagem. Uma tábua de madeira a assentar numa escada de pedra de forma instável e por ali saíamos. Para mim era como se tivesse atravessado um Oceano inteiro. Os golfinhos saltavam à volta do barco. Eu esperava ansioso a próxima viagem. A próxima aventura. Entretanto seguia até ao Lavradio onde moravam uns primos. A CUF era uma cidade dentro da cidade. Ainda vi jogos no estádio da CUF.

capa jcf

Desta vez uma doce chegada. Uma descida fácil para um cais que parecia também navegar. Depois um táxi e um condutor que eu não entendia bem e nos levou a dar um pequeno passeio antes de se dirigir ao sítio solicitado. Tudo bem. Chegámos era o que interessava.

A Sociedade de Instrução e Recreio Barreirense “Os Penicheiros”. Uma sociedade com mais de 150 anos. Locais que foram durante muito tempo lugares de instrução, luta e resistência. Locais onde fervilhava a vontade de mudar o estado a que o país tinha chegado. Foi um grande orgulho para mim estar num evento destes. Fui visitar parte do interior do edifício. Um local a necessitar de ser restaurado. Alguns sinais de tempos muito antigos. Não vi a biblioteca, uma falta de que me penalizo. Vi móveis que já não via há muito. Pensei em quem já teria pisado o chão que eu pisava. Quantos teriam rido e chorado entre aquelas paredes.

Falemos então do evento. Tudo aconteceu na praça fronteira à centenária sede da sociedade. Mesas, um bar, um palco, luzes e um espectáculo multifacetado. Chama-se “A Hora da Sineta”, um palco aberto às artes. Naquele palco se cantou, tocou, dançou, se disse poesia, e muita gente se reinventou em performances que agradaram.

Diferentes géneros de pessoas e uma calma percorria todas aquelas mesas entre conversas trocadas e ideias discutidas. Ouvia-se e aplaudia-se. Escolhia-se à lista e petiscava-se. Quem gostava de beber, bebia.

Foi com alegria que assinei um livro que o filho tinha escolhido para a Mãe. Um acto bonito. Uma coisa que me deu um orgulho tremendo. Gente simples que levou para casa o meu “Desaguo numa imensa sombra”. O meu livro de capa cor-de-rosa. O meu primeiro livro de poesia.

Quando me chamaram ao palco senti uma alegria imensa. Disse dois poemas e um pedaço do meu “A volta à vida à volta do mundo”.  As luzes e as marcas dos livros a nortearem-me. A sensação de não ouvir o que se está a dizer. Ouvir as palmas. Sentir gratidão.

Os agradecimentos à minha editora. Nunca me canso de lhe agradecer. Obrigado, Virgínia do Carmo. E regressar a casa.

Uma travessia serena. A chegada a Lisboa. Arranjar um táxi. Ir descansar a alegria.

«Gostei que tivessem ido a esse sítio. Vi que gostaram.»

Fala de Isaurinda.

«Que bom que sentiste isso. Sim foi bom ter feito aquele passeio e estar naquele lugar.»

Respondo.

«Eu reparei. Deviam fazer isso mais vezes.»

De novo Isaurinda e vai, o polegar a apontar para o céu.

Jorge C Ferreira Agosto/2022(361)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velhinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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16 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | A Hora da Sineta”

  1. Ferreira Jorge C

    Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Que bonito o que dizes. Uma alegria a tua presença. Um abraço muito nosso.

  2. Manuela Moniz

    Que belo foi esse dia em que, de barco, atravessaste até ao Barreiro. Recordaste momentos vividos e tão especiais ao lado de pessoas inesquecíveis como o teu avô. Isso é tão bonito! A tua escrita é brilhante e rica de valores, Jorge.
    Imagino a tua voz, profunda e serena, na leitura de um belo poema teu, num lugar com tanto significado. A alegria que sentiste e trouxeste contigo, de regresso a Lisboa, é a mesma que transmites, de forma sublime, aos amigos(as) que te lêem.
    Tudo em ti é Poesia, querido Poeta.
    Obrigada e um forte abraço.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Manuela. Sim, minha Amiga. Foi uma noite gratificante. Foi sentir a vida e a arte. Quanto á minha leitura é generosidade tua. Abraço

  3. Eulália Pereira Coutinho

    Crónica excelente e comovente.
    Um dia de felicidade..Viagem até Almada, plena de emoções. Belas memórias de outras viagens, de tempos felizes.
    Dia especial. Dizer poesia. Belo.
    Reconhecimento. Aplausos. Sucesso bem merecido.
    Gratidão.. Dia inesquecível.
    Felicidade. Coração cheio.
    Parabéns Poeta. Continuação de muito e merecido sucesso.
    O meu obrigada. Grande abraço.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Eulália. Foi bonita a festa. Lindo o lugar. A música e a poesia uma noite ganha. A minha gratidão. Abraço

  4. Maria Luísa Caetano Caetano

    Que deliciosa Crónica, fala-nos de tantas coisas bonitas que emocionam. Maravilhoso chegar a casa cansado de Alegria.
    Um convite muito agradável, com apoio das editoras. Um exemplo a seguir, dar aos autores oportunidade de mostrar e falar sobre as suas obras. Que feliz ficou, ao ler a sua poesia e falar do seu livro, cor-de-rosa. Ideal para dar a uma mãe.
    Momentos lindos que viveu nesse evento. A alegria que expressa e nos descreve, é de alguém muito emocionado, feliz e grato. Tal como ficava em criança, quando os golfinhos dançavam para si.
    Fez despertar as minhas saudades, era sempre com o meu pai ou com o meu avô, que ao Domingo ia ver os golfinhos.
    “A Hora da Sineta,” devia acontecer mais vezes. O poeta merece. Como disse Isaurinda: “ Gostei que tivessem ido a esse sítio. Vi que gostaram.”
    Considero preciosos estes eventos.
    E os poetas merecem, sem eles, não há poesia.
    Abraço imenso, querido poeta.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Maria Luiza. As suas palavras sempre belas. A alegria de escrever só para as ler. Foi uma noite bonito em que o meu Avô esteve sempre presente. A minha gratidão. Abraço.

  5. Isabel Soares

    Uma crónica suave do desenrolar de uma viagem inesperada e surpreendente. De final gratificante e momentos gloriosos. Os livros: respiração segunda do poeta. Os dele e os dos companheiros. Trajectos cúmplices de vidas que se alimentam de poesia e das várias metamorfoses das palavras.
    Um dia. Umas horas de magia. O dizer único da realidade reinventada pelo esplendor pelas palavras que se inscrevem na identidade do cronista. Sempre num registo de beleza e generosidade.
    A humildade do agradecimento. E o espanto pelo mesmo. O convite concretizado numa alegria transmitida aos leitores. E contagiante. Uma partilha que sentimos e por ele nos regozijamos

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Isabel. Sempre importantes os seus comentários. Os poetas são irmãos de palavras encontradas em noites achadas. Muito grato, minha Amiga. Abraço

  6. Regina Conde

    O teu dia diferente e inesperado. Lugares que nos falas, de forma só tua. Nem me apercebi da devida distância do tempo, a sensação de ter caminhado, visitado e aplaudido quando leste os teus poemas. Fico feliz por teres de descansar de alegria. Obrigada Jorge. Abraço grande meu Amigo.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Regina. Não há tempo para as palavras dos poetas. Que haja quem os ouça. Palavras que são de todos. Grato. Abraço

  7. Cecília Vicente

    Tudo o que contas da tua ida, da tua chegada, do convívio, tudo me parece tão longínquo que me espanto com a passagem do tempo. Espero para mim dias melhores, dias em que possa ir para ver, para observar e ouvir…
    Que bom tudo ter corrido tão bem. Ao ler a crónica parece que também apanhei o táxi…
    Abraço meu muito amigo, Jorge.

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado Cecília. Semana uma alegria ver-te aqui. Que bom teres ido connosco no táxi. Todos os meus amigos me acompanham. Abraço

  8. José Luís Outono

    Um dia inesperado, momentos do ontem que nos trazem saudades, e o encontro cultural a definir o lado simples de uma apresentação mas apelativa do outro lado do rio.
    Curioso, já não vivo esses momentos há “algumas quadras” , e regozijo-me com o teu aceno quando o defines e sentes.
    Razão tem Isaurinda, com o polegar ao alto na leitura do teu sorriso.
    Grande abraço estimado amigo, que muito admiro!

    1. Ferreira Jorge C

      Obrigado José Luís, Poeta, Amigo. Sempre um prazer imenso ler as tuas palavras. A minha gratidão. Abraço

  9. Ivone Maria Pessoa Teles

    Ora lá cheguei à tua crónica. Tão bem escreveste a tua experiência de Vida nesse dia que, senti que estive lá e te dei ” AQUELE ABRAÇO”. Que BOM que tenha corrido tão Bem e nem eu esperaria outra coisa. Tu tens muito valor meu querido e, além disso, vives a VIDA de uma forma tão sentida, como o que ESCREVES.

    Beijinhos da tua Amiga/ Irmã Ivone

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