Crónica de Alice Vieira | Cautela com as viagens

Alice Vieira

 

Cautela com as viagens
Por Alice Vieira

 

Antes de mais, juro que se trata de uma história verdadeira. Isto porque muitas pessoas a quem a tenho contado riem e dizem “lá estás tu com as tuas histórias”.

Tudo se passa com um rapaz chamado Ricardo  que vivia na aldeia em que eu nasci. Nunca cheguei a conhecê-lo, mas toda a gente da aldeia conta esta história

O  Ricardo tinha um único desejo na vida: enriquecer. Ficar muito, muito rico para poder fazer tudo o que lhe apetecesse, coisa que a porcaria do trabalho que tinha nunca lhe garantiria.

Pesou, penso e um dia chamou os amigos, dizendo que tinha uma coisa muito importante para lhes contar.

“Depois de pensar muito, cheguei à conclusão que  só há uma coisa que pode fazer de mim um homem rico: tenho de casar com uma velha rica. Não a vou deixar parada  um momento, ao fim de meia dúzia de meses está tão cansada que não aguenta e cai para o lado, com um AVC ou coisa parecida. E ponto, fico com a massa toda! Eu sei o que faço!”

Os amigos riam, mas não acreditaram lá muito.

Mas passados uns meses, lá casou com a mulher mais rica da terra e já muito entradota—que ficou felicíssima porque nunca na vida tinha tido um namorado. Os olhos dela até brilhavam ao olhar para ele.

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A viagem de núpcias foi logo extraordinária: em Miami! Ela nunca tinha visto nada tão bonito. Eram festas todas as noites, cruzeiros pelas ilhas do Caribe. Dali ainda foram para o Hawai, mas depois ele decidiu mudar de rumo. E regressaram à Europa. Então foram para a Itália. Cruzeiros e mais cruzeiros, a subida ao Vesúvio, etc. De lá foram para a Grécia, com visita a todas as ilhas e a ida ao Parténon, de lá  para Paris, Suiça, Alemanha, Luxemburgo, Áustria, etc

Até que ela teve saudades. Há quanto tempo não estavam na aldeia! Por que não voltar para lá? Ele torceu o nariz, mas ela pediu tanto, que lá regressaram a casa.

Como não tinham avisado ninguém, não havia nada no frigorífico e ela estava farta de comer em restaurantes.

“Deixa que vou ao mini mercado e trago qualquer coisa para o jantar “ — disse ele.

Foi, enquanto ela ficou a desfazer as malas.

Mas ele também estava cansado e, numa curva mais apertada, chocou com o carro que vinha em frente, e morreu ali no meio da estrada.

Até hoje ela o chora, dizendo que nunca tinha tido  ninguém como ele, que só lhe queria dar alegrias, que só pensava nela, e a tinha levado aos sítios mais belos do mundo.

Amigas já entradotas: se começarem a ouvir os vossos maridos a convidarem-vos para viagens e mais viagens… desconfiem!!!

Alice Vieira

 


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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