Crónica de Alice Vieira | Tesouros para todos

Alice Vieira

 

Tesouros para todos
Por Alice Vieira

 

No dia 6 de Maio, mas de 1957, era publicado o primeiro número do Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa. Claro que os mais novos nem sabem do que eu estou a falar, até porque o “Diário de Lisboa” fechou em Novembro de 1990.

Não há ditado popular mais verdadeiro do que o  que diz—e desculpem lá a palavra — “onde mija um português, mijam logo dois ou três”. Ai aquele tem? Eu também quero. Ai aquele encontrou? Eu também vou encontrar

Lembro-me de estar há uns anos no Algarve, mas já não sei em que cidade. Era verão e eu estava a almoçar na esplanada do restaurante, quando chegou a altura da sobremesa. Pedi uma laranja e o empregado sorriu e, apontando para cima, disse  “até se pode servir!” A minha mesa estava mesmo debaixo de uma laranjeira e havia mesmo uma laranja prontinha a ser arrancada. Lá a apanhei.  Pois passados alguns minutos já estava gente a levantar-se das mesas, a pegar em sacos de plástico e a enchê-los de laranjas que tiravam da árvore. Até pedi desculpa ao empregado, embora nem eu nem ele tivéssemos culpa.

Pois há dias aconteceu uma coisa parecida aqui na Ericeira.

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Quem conhece bem a rampa empedrada que  vai dar à Praia do Sul sabe que, pelo meio,  existia uma pequena pedra onde estava escrito “Casa comigo!”

Mas, por causa da canalização nova, uma data de máquinas entraram pela rampa e começaram a retirar o empedramento velho para o  substituir por outro. Então uma amiga minha vai junto do senhor de uma das máquinas e pergunta-lhe se pode ficar com aquela pedra. O senhor, com algum sentido de humor, respondeu:  “só se casar comigo…”. Riram-se ambos e ela lá trouxe a pedra.

Pois quase imediatamente a maior parte das pessoas que estava na esplanada, sem saber o que se tinha passado, levanta-se das mesas e vá de ir buscar pedregulhos e calhaus, enormes, sujos e feios,  para levarem para casa…

Ainda olharam para eles, para ver se descobriam o que tinham de tão especial mas, pelo sim pelo não, meteram-nos todos nos sacos.

Só gostava de ter visto a cara dos amigos e familiares quando ele lhes mostraram aqueles tesouros.

Passo todas as manhãs por ali para ir para a Praia do Sul e lembro-me sempre disso. Qualquer dia pinto uma frase semelhante numa das pedras, para ver se alguém a vai buscar.

 

Alice Vieira

 


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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