Crónica de Alexandre Honrado – Solução para a calvície

Abril entre cravos: Alexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Solução para a calvície

 

Caem-me cabelos, não há qualquer espanto.

A primeira vez que encontrei um punhado de cabelos (meus), exilados, prontos a partir, foi numa escova (de cabelo) de dentes arrepiantes. Nessa altura eu estudava Cartagena ou as andanças de Alexandre macedónio pelo mundo. Podem fazer uma ideia de há quanto tempo foi, basta fazer as contas.

Não há pegadas dessas caminhadas de Alexandre, a menos que um travo diluído do Médio Oriente nas velhas culturas ocidentais seja o que resta do hálito ávido do rei imperador que foi da Grécia ao que julgava ser o fim do mundo.

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Caem-me cabelos sobre a superfície prateada do meu computador. Isso não me impede que oiça “Beethoven… Reminiscências” – Daniel Bernardes & Coro Ricercare”. Tenho muita pena do meu povo, que nunca há de ouvir estas reminiscências e que prefere lutas de galos, gladiadores e arenas, bobos da corte com os seus chapéus de três bicos e sapatos revirados na ponta.  Tenho menos pena, quando me chamam a atenção: o povo não é teu. Essa soberba, essa vontade de ter, nem te fica bem. É tão teu como o inesperado, a ventania que arrebata as ondas com quase dez metros, a areia livre que se afasta e que, apenas uma vez por outra, fica a chatear-te na boca, rangendo nos dentes, eriçando-te, embaraçando-te os cabelos.

Caem-me os cabelos, é verdade. Encontro alguns no casaco, nas pernas das calças. Tenho os pés nus e isso confere-me uma liberdade de ser que se eterniza.

Gritam entretanto os órgãos de comunicação que as tropas russas estão quase a entrar pelo povo dentro. Entrarão pelo povo ucraniano e pelo seu próprio povo, e depois por outros, já que as guerras matam os povos – não são feitas por eles.

Dormito a pensar que estou naquela mesa branca, muito comprida, onde o Putin recebe que calha. A mesa está cheia de cabelos. Poucos, do meu lado, muitos do lado do careca. Putin é careca como, em certas épocas do ano, a Península de Kamchatka, no Extremo Oriente russo.

Kamchatka criou, ainda nem fez dois anos, um “Ministério da Felicidade”.

Grandes cabeças, para tão pouco cabelo.

No meu sonho assinam-se acordos de paz.

Acordo. Portugal prepara mais de mil soldados para, com as cores da NATO, avançarem para cenário de guerra.

(Cenário, termo teatral, impõe espaço para a comédia, a tragédia, os dramas.)

Caem-me os cabelos. A ver bem, são ideias que se separam de mim, envergonhadas.

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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