Crónica de Alexandre Honrado – Esquerda, direita, um dois

Alkexandre Honrado

 

Crónica de Alexandre Honrado
Esquerda, direita, um dois

 

Entre uma esquerda possuída por terrores e temores, digna dos piores sintomas do assustador parkinsonismo, trémula mas também encapuzada para não enfrentar heranças trágicas, cometidas por alguns dos seus mais estúpidos representantes, e uma direita trágica, com péssimos (e sim, estúpidos) representantes, com os seus mitos messiânicos escondidos na sombra dos subúrbios da capital, com sintomas de um Alzheimer calamitoso, toldada por um apagão da memória e do próprio cérebro que, a todo o custo, deseja que seja sintoma contagioso – venha o eleitorado, pobre diabo!, e escolha.

Sei que de cada vez que escrevo lá vêm uns mugidos a quererem fazer-me acreditar na sabedoria ovina e bovina, desacreditando o meu pobre analfabetismo funcional e mal intencionado; não percebem todavia o quão irredutível me tornei e o quão distante me mantenho das vozes que não chegam ao céu. Não é por isso que deixo de escrever – e de ler. Leio tudo. Do muito bom ao apoio expresso do Goucha ao decote da amadora.

Ainda há dias rebolei a rir com a falta de consistência de uns comentários publicados algures, e engasguei-me de prazer ao seguir a prosa de alguém que acredita no papão, enfeitando-se de grilo Consciência dos seus Pinóquios amigos, e que usa o disparatado argumento, aliás inútil, de que são os mais de 50 por cento dos portugueses que se têm abstido que podem mudar o curso das coisas. Não digo o nome, vejam se o apanham, que eu não estou para fazer apologia das fracas figuras que nos insultam todos os dias.

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As coisas, vendo bem, têm sempre verso e reverso e se formos por esse mundo fora logo veremos que, em muitos casos e exemplos, abençoado é o verso no que nos toca em País, governantes, paz e soberania. Essa prosa que li, de alguém que mostra um desrespeito azedo pela Democracia, reclama diante de quem o lê pelo que afirma ser o período que vivemos: “uma falência clara e evidente da Democracia”. Rematado disparate, que se torna coerente e amplificado mais adiante. É ela, a Democracia, que nos assegura direitos, resolve situações de risco que em ditadura nos tolheriam o passo ou garantiriam cova aberta em cemitério ou calabouço.  O mesmo sujeito reclama-se defensor da Constituição – a mesma que odeia -, do Presidente da República – o mesmo que critica quando tem o bom senso de trabalhar em equipa, evitando crises institucionais – e até fala cínica e paternalmente da População Portuguesa (felizmente não nos chama povo, caldo entornado da prosa certamente).

Rio deste e de todos os velhotes do Restelo – a idade nunca foi estatuto, rio de quem me faz rir, é isso – e temo ao mesmo tempo o ter de rir de alguns jovens que se desorientam a ponto de confundirem liberdades com poses suicidárias e amnésia ou memória curta.

Temo os que estão à espera que o governo caia e que mude a cor, só porque vem aí uma bazuca para gastar, que querem aliás gastar à moda antiga (recorde-se os tiros nos pés dos anos oitenta e noventa, de 1980 a 83, de 87 a 1995, mais exatamente, com a soma daquele pesadelo de 2002 e o outro, mais sinistro de 2006 a 2016…) mas a Democracia é assim mesmo e não, nem nos podemos queixar, a menos que se prove o contrário depois de contados os votos e já for tarde demais.

 

 

Alexandre Honrado


Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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