Crónica de Jorge C Ferreira | Planear

Jorge C Ferreira

Planear
por Jorge C Ferreira

 

Contentores frigoríficos. Morgues improvisadas. Tendas de Campanha. Triagens. Ambulâncias enfermaria. Tantos que só esperam a palavra de alguém. O confinamento. As mentes a definharem. O escuro das casas. A falta que nos faz o ar impuro das cidades com menos gente.

Sim, porque há quem se julgue herói. E vá para a rua na mesma, sem máscara, nem outras precauções. Uma aventura insana. Gente que não cuida de si e não tem respeito pelos outros. Haverá sempre pessoal desta estirpe. Só é pena que quando, a luta é a sério, se escondam na sua cobarde maneira de ser.

Tudo o que está a acontecer é terrível. Já tenho falado aqui da importância da saúde mental. De esta ser cuidada. De haver equipas multidisciplinares a acompanharem os confinados. Há quem tenha pavor em sair de casa. Há quem viva de pijama vinte e quatro sobre vinte e quatro horas. Na minha querida Bristol consta que já andam a rastrear os mais velhos casa a casa.

desaguo

As mutações nas variantes deste vírus são preocupantes. Obriga a novos estudos. A aprofundar o pouco que sabemos sobre as sequelas futuras, a difícil e prolongada recuperação dos que foram gravemente afectados. Tudo o que precisamos de ir pensando para além da doença. Os locais de recuperação. O trabalho a fazer nos lares. As novas doenças.

As Vacinas. Falemos das vacinas, esse negócio monstruoso que está em marcha. Claro que as vacinas são importantes, imprescindíveis. Mesmo sendo global este acontecimento, nem assim, se conseguem domar essas multinacionais que nos comandam a vida. Além das falhas do que tinha sido contratado, ainda temos, depois, a aplicação. Tudo tem de ser muito bem planeado para evitar o que está a acontecer em Portugal. Todos sabemos que este é um País onde os “chicos espertos” abundam. Somos um País do faz de conta, somos muito hábeis na forma de diluir responsabilidades, no fim a responsabilidade acaba num motorista ou num porteiro. Somos perfeitos no uso do complicómetro, em criar excepções, em tornar difícil a leitura ao cidadão comum. Assim será muito mais fácil torpedear as necessidades e dar lugar às injustiças.

Se sabemos que somos assim, porque não exigimos que os responsáveis tenham nome, que os prevaricadores sofram a pena que lhes é devida? Já foi vacinada toda a espécie de gente que não constava dos grupos prioritários. Todos andam por aí, não sei se a vangloriar-se. A vacina é neste momento um bem raro. Não podem ir a mais para um sítio qualquer. Não se admite que se deixem estragar.

Sei que não é só aqui que isto está a acontecer. Em outros países também há casos. Temos de ser cidadãos exigentes e não admitir mentiras. Temos a mania da burocracia quando devíamos agilizar. Temos de fazer sempre mais uma reunião para marcar a próxima. E há uma paciência que se vai esgotando. Estou farto de task-force. Conheço bem estas coisas. Foram muitos anos a aturar isto. Soube, agora, que o responsável da coisa se demitiu. Entretanto foi nomeado um Almirante. Vamos esperar que não se meta mais água.

Planear, testar e vacinar é o que precisamos. Justiça, equidade, verdade, o que necessitamos. Temos de exercer a nossa cidadania.

«Sabes, tenho medo disto tudo. Mas temos de ter calma.»

Fala de Isaurinda.

«Isaurinda, é preciso avisar. Exigir o que temos direito.»

Respondo.

«Isso é verdade. Já era altura de ser assim.»

De novo Isaurinda e vai, a mão a dizer adeus.

Jorge C Ferreira Fevereiro/2021(288)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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10 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Planear”

  1. Cecília Vicente

    Tempos conturbados estes, leva-me à imaginação dos que tanto sofreram na primeira, e na segunda guerra. Se hoje sofremos por estarmos confortavelmente confinados ; Penso no muito que sofreram sem esperança no seu futuro. Vamos todos ficar bem? Creio que sim, essencialmente se formos solidários, até no que toca às vacinas, todos terão a sua vez… Pior seria se ouvíssemos as sirenes de um iminente bombardeamento, pior seria o inimaginável que é deixarmos que o vírus se torne um partido político cruel e destrutivo… Pior, é saber que irá haver quem enriqueça com toda esta pandemia, pior, é deixarmos de ser humanos, pior, é não crermos que algures há falta de uma gota de água. Desiludida? Sim, um cansaço extremo de um ano de confinamento… Cansada,exausta de nada se entender e continuarmos a não saber porque uns são mais que outros… Abraço meu amigo,cuida-te para que breve possamos dar afectos…

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Sim, já é muito tempo. Tens razão em tudo o que dizes. Um tempo que nos marcou. A ausência de afectos. Vamos continuar a cuidar de nós e dos outros. Abraço grande.

  2. Cristina Ferreira

    Muito Grata pela tua voz, querido Jorge
    Abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. A minha voz a única arma que tenho. Um abraço grande

      1. Cristina Ferreira

        Enorme ❤️

        1. Jorge C Ferreira

          Generosa,

  3. Isabel Torres

    Mais uma crónica realists,dura,crua sobre a realidade vivida. Sobre o concreto acontecer. Do abandono de uns à vacinação de outros. Até quando? Até quando este quadro dramático,assustador.Que podemos fazet? Tanta ipotência. Dói. Continue a escrever numa reflexão do que se passa. Dsenude a realidade concreta. Que mais podemos fazer? A quem dirigir a nossa revolts em prole dos mais fragilizados?

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Devemos ser exigentes e cumprir as regtas. Temos de saber que cuidar fe nós é cuidar dos outros. Não podemos deixar que os mesmos de sempre enriqueçam à custa da miséria de outros. Abraço.

  4. Eulália Pereira Coutinho

    Crónica excelente. A realidade que vivemos.
    A preocupação deu lugar ao medo. O medo deu lugar ao cansaço. A saúde mental está a ser posta à prova.
    Um ano de pesadelo. A falta de afectos. A pobreza a crescer. As desigualdades a aumentarem.
    As notícias confundem-nos. As vacinas tão esperadas transformaram -se numa guerra de interesses.
    Que mundo este, meu amigo.
    Para onde caminhamos?
    De repente, sinto que estou num filme da guerra das estrelas, onde a insensatez de muitos supera tudo e todos.
    Obrigada por continuar desse lado.
    Temos que resistir.
    Um grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Tudo tão bem escrito. Que voz! É tudo isso. Cuidemo-nos, mas sejamos exigentes. O que se aproxima não sei se será pior..Grande Abraço.

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