Crónica de Alexandre Honrado – Intelectos

Alkexandre Honrado

Intelectos
Por Alexandre Honrado

 

Tento convencer, há anos, os meus alunos de que antes de emitirem opiniões sobre matérias concretas ou mesmo acerca da opinião alheia, devem preparar-se, devem saber do que falam e não atirar, à flor da pele, os seus pequenos dardos inconsequentes (e impreparados e infundamentados). Tento seguir esse ensinamento.

Numa época em que as pessoas confundem profundamente (e impunemente) a emissão de juízos de valor com exercício crítico e o pequeno e primário insulto com alguma coisa parecida ao contraditório, todos nós, sem exceção, devemos saber ao que andamos – e rejeitar a menoridade de quem não sabe ao que anda.

Tenho encontrado esses exemplos nos locais por onde viajo, ou viajei, normalmente em trabalho, dos Estados Unidos à Coreia, pelo meu Velho Continente, verificando que há grandes diferenças no mundo em relação à minha Europa, e mesmo nesta as contradições sucedem-se.

Ainda há dias, Chris Dercon, num artigo profundo apresentado na Esprit, me ajudava a concluir como a dotação da cultura tem sofrido alterações extremas de conceito e até os Estados Unidos com as suas habilidades financeiras estão cada vez mais cientes de que o endowment é fundamental, contrariando as teses, quase tabus,  de que há uma parede que distingue formulações de esquerda e de direita, como pensam os analistas sem grande peso que estacionaram nos anos 70 e se julgam, sem razão, o grilo falante das novas formatações mundiais. Esquecem-se que nas economias as diversas formas da cultura pesam milhares de milhões (de euros, de dólares, de qualquer moeda) e que significam emprego, riqueza, desenvolvimento, e em última análise a última possibilidade daqueles que negam a realidade equilibrando-se no fio frágil da linguagem de defesa económica (agradecemos-lhe as crises várias que nos arranjam), a possibilidade de saberem assinar o seu próprio nome, perceberem de que família descendem ou, simplesmente, de encontrarem a sua própria braguilha.

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Criou-se o hábito de ver entre os que opinam a perseguição dos que trabalham para eles com a generosidade do intelecto. Não é preciso citar a famosa frase abrangente e aplicável, atribuída a Simone de Beauvoir, que dizia: intelectual? Se isso significar amar as palavras e as ideias, aceito o termo.

O anti-intelectualismo, que levou (só para dar dois exemplos) à queima dos livros em Berlim, em 10 de maio de 1933 e a todo o processo de perseguições maoistas (que tanto inspiram as direitas de hoje, que até ali foram recrutar figuras interessantes e pouco sérias, algumas até chegaram ao topo da política e às instituições bancárias que nos exploram e roubam sem pudor), é um dos sintomas.

Já vi muitos intelectuais sofrerem insultos, perseguições, acabarem mortos. Na História antiga – e na mais recente. Sejam alvos de Hitler, de Staline, de Franco, de Salazar ou de estruturas inescrupulosas do evangelismo contemporâneo (que estende tentáculos de São Paulo a Seul, de Abuja a Huston).  Ou de indivíduos que não distinguem saliva do escarro que os sufoca. Os seus objetivos são sempre os da riqueza. Têm argumentos frágeis como o anticomunismo, esse papão que tenta ser menos cruel que o antifascismo, apesar dos pratos da balança nos confundirem nos momentos da análise das doutrinas (e dos rituais). Um dos argumentos que usam é o da descriminação, outro o do insulto, mais um o da ignorância. Até os que sabem alguma coisa do que se trata esta questão, que ultrapassa em muito as patacoadas bebidas sem sabor à mesa da tasca. Ainda corro o risco de me chamarem neomarxista, mas como nos ensina quem sabe “costuma dar-se o nome de neomarxismo, ou marxismo ocidental, àquele conjunto das correntes nascidas nos anos vinte do século XX, em torno das teses de Gyorgy Luckács* (1885-1972), Karl Korsch(1896-1961), Ernst Bloch  (1885-1977), e Antonio Gramsci  (1891-1937). Geralmente, toma-se como ponto de partida o ano de 1923, quando se publica a Geschichte und Klassenbewusstein, do primeiro, e o Marxismus und Philosophie, do segundo (Cavalcanti e Piccone, 1976).” (Obrigado, professor Maltez e a meus pais, que me deram a vida e a cultura muito depois dessas limitações históricas)..

Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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