Crónica de Jorge C Ferreira | A Justiça

Jorge C Ferreira

Crónica de Jorge C Ferreira

A Justiça

A confiança na justiça a ruir. Um pilar importante da democracia a ser posta em causa. Juízes, advogados, oficiais de justiça, magistrados do ministério público, agentes da polícia, tudo sob suspeita.

O descrédito da justiça é muito perigoso. A justiça é um dos poderes da democracia. A democracia também fica mais fraca. Os populismos estão atentos. Qualquer rombo no navio democrático é aproveitado por esta gente.

Compete às instâncias superiores e que se querem independentes, estancar esta degeneração dos poderes instalados. Quando a podridão aparece à vista desarmada em tribunais que queríamos como nossa defesa, tudo se torna mais perigoso.

O poder herdado no 25 de Abril foi um poder corporativo. Um País onde havia juízes que proferiam sentenças em tribunais plenários. Tribunais em que o direito de defesa era espezinhado. As sentenças vergonhosas, as medidas de segurança podiam prolongar as prisões indefinidamente. Muitas sentenças vinham já feitas da P.I.D.E.

Os tribunais plenários acabaram, mas os juízes, que se prestaram a esses serviços, nunca foram afastados. O julgamento dos agentes da polícia política do regime foi uma vergonha.

Mas o corporativismo continua a ser algo que pulula entre as várias profissões deste país. As várias Ordens e o seu poder desmesurado. A defesa entre pares. Outra entorse na justiça.

Os Sindicatos também eles foram corporativos. Eram os sindicatos dos Grémios. Foram os trabalhadores que, com a sua luta, os tornaram independentes, seus. Uma luta que também levou alguns à prisão. Hoje, olho para o meu Sindicato e vejo uma empresa. Uma situação que me constrange.

Quando enchemos as ruas no 25 de Abril e no 1º de Maio de 1974, éramos um mar que nos parecia imbatível. Um mar que nenhum dique conteria. Foram dois anos de loucura e conquistas, algumas ainda hoje subsistem. Outras foram sendo engolidas pelos comilões do costume. Alguns que se vestiam de revolucionários irrascíveis, vieram a fazer a sua deriva e estão hoje bem na vida. Nunca teve tanta razão de ser aquele dito: “não há almoços grátis”.

Foi triste de ver a acomodação dos oportunistas ao poder instalado. Foi triste de ver o centrão a tomar conta do poder e a dividirem entre eles as benesses, os cargos e a trocarem de tacho como quem muda de restaurante.

O país está numa deriva perigosa. O terreno fértil para os oportunistas. Precisamos ser firmes. Já vivemos o bastante para não embarcarmos nas mesmas histórias. Não vou aqui falar dos reformados, e de quem os despreza, seria falar em causa própria. Vou dizer, apenas, que há muito saber acumulado nesta gente. Saber que é ignorado por quem não devia.

Estão a chegar curvas difíceis de contornar. Talvez momentos importantes. Quando os poderes se começam a desmoronar por si próprios, numa auto implosão, é sinal de que nos devemos preparar para ultrapassar novos caminhos. Cheira a crise.

Não podemos titubear.

«Olha que tu não fales em crise, fico logo arrepiada.»

Fala de Isaurinda.

«Pois é minha querida, mas olha que é o que temos de mais certo.»

Respondo.

«Lá estás tu, que coisa!»

De novo Isaurinda e vai, a mão a bater na madeira do móvel.»

Jorge C Ferreira Março/2020(242)

 


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16 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | A Justiça”

  1. Cecília Vicente

    Oportunismo,oportunistas,vai o mundo englobalizando,uns mais que outros. É o inferno a arder e muitos poucos a se queimarem,a não ser os habituais que nada tinham e nada têm,e ai deles,que por ” desviar” ou não pagar uns míseros cêntimos além de não ter perdão teria cem anos de prisão. Justiça? muito mal,juízes? a saírem ainda das fraldas sem terem tempo de aprender como o ser,tudo a seu tempo para se chegar ao que quer que seja,sobretudo carreiras que possam comandar a vida das pessoas e da sociedade. São mais dos mesmos a subir os degraus…Abraço meu amigo!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. A justiça dos ricos e dos pobres. A má preparação dos juízes. Para julgar é necessário ter vida. Abraço.

  2. Cristina Ferreira

    Muito clara, lúcida e oportuna crónica.
    Obrigada

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Que bom ter gostado. Abraço,

  3. Eulália Pereira Coutinho

    Não posso estar mais de acordo com o conteúdo desta crónica, que mais do um texto muito bem escrito é um grito de alerta para a crise da justiça que estamos a viver. Quando a desconfiança chega à justiça, os ideais de Abril de 1974 estão em risco. As manifestações do 25 de Abril e 1 de Maio, que enchiam praças e ruas, o sonho que só quem o viveu compreende, corre o risco de ruir.
    Vou fazer como a Isaurinda, bater na madeira e esperar que os erros do passado não se repitam.
    Obrigada pelo alerta de consciência.
    Um abraço amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Tenho uma secreta esperança de vir a encher avenidas de novo. Obrigado pelo seu comentário. Abraço.

  4. José Manuel Santos Borges do Canto

    Há muito que sinto o nosso País a afundar-se num pantano de terras movediças.
    Este povo que tanto sofreu e sofre está completamente adormecido com as “histórias da carochinha” que lhe impinjem a toda a hora.
    No tempo da “outra senhora” era a vitamina F – Fátima de manhã, futebol à tarde e fado à noite.
    E agora? Passámos da vitamina F para a vitamina A – Aldrabices, artimanhas e ambições desmedidas de aproveitadores sem escrúpulos.
    Aonde isto nos vais levar?

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado, caro José Manuel. Benvindo a este espaço de liberdade. Estou muito de acordo com o que diz. Temos de contrariar o rumo das coisas. Abraço.

  5. Regina Conde

    Texto de verdades difíceis, tristes, pragas de corruptos. Todos o desejam ser. Repugnantes. Escreveste com a força das palavras que sentes, que não cabem em ti. A tua luta de sempre. Dizer não. Abraço grande meu Amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Regina. Sim, a voz de sempre. Nunca nos devemos acomodar. Sei que estás deste lado. Abraço.

  6. Fernanda Luís

    Jorge C Ferreira, concordo plenamente com a sua análise. Mais uma vez! Pensamos de formas semelhantes. Pena eu não ter o seu talento de escrita ou comunicação.
    Crise pois. Já estamos a viver uma nova crise. Estamos cercados…
    Abraço a três metros de distância como ditam as atuais regras😢❤️

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Fernanda. Todos temos talentos que devemos instigar. O termo, “estamos cercados”, que utilizou é um achado. O cerco está a apertar. Vamos ter de nos fazer ouvir. Abraço.

  7. Ivone Teles

    A Justiça, neste jardim que dizem ter sido plantado à beira mar, perdeu-se entre ervas daninhas. Que boa e indispensável crónica a tua, amigo. Queríamos tanto, quando descíamos avenidas em Festa e cravos rubros, gritando por PAZ, Solidariedade e Justiça que estas conquistas ficassem bem edificadas, porque serão sempre pilares da Democracia pela qual lutamos. A tua crónica diz tanto, querido amigo. Diz muito e certo. O desmoronar destes poderes levam à crise que já sentimos e temos de estar muito conscientes disso para que não ” se esconda o lixo debaixo do tapete “Obrigada Jorge pelo alerta que deixas. Diz à Isaurinda que também já bati na madeira. Para ti um beijinho <3 <3

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone. Sim, minha querida Amiga/Irmã, fomos perdendo direitos pouco a pouco. As sociedades de advogados e os seus mandatários na primeira fila do Parlamento, preparam o terreno. O terrível Centrão. Não te esqueças que ainda temos de descer a tal Avenida. Beijos.

  8. António Feliciano de Oliveira Pereira

    Não nos devamos esquecer do pequeno poder que o dono da secretária tem; aquele que se mexe muito e inventa trabalho para se mostrar mas nada desenvolve, protela, “mastiga os papéis”, adia sine die o que pode ser feito com brevidade. Nunca tem tempo para entrar mas é o primeiro a sair. Este é o poder dos que” nada sabem fazer e passam a vida a ensinar”!
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António. Não, não me esqueço dos pequenos poderes. Ainda há umas semanas atrás falei deles. Mas os poderes dos senhores do poder, dos que manipulam algumas marionetas são a grande causa das coisas. Um grande abraço, meu Amigo.

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