Crónica de Alice Vieira | Agora não

ALICE VIEIRA
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Crónica de Alice Vieira | Agora não

 

AGORA NÃO
ALICE VIEIRA

 

Nestas vésperas de eleições (acalmem-se que eu sei que a esta hora já não se pode fazer propaganda) lembrei-me de uma antiga canção dos “Deolinda”, que bem podia ter sido utilizada por qualquer dos candidatos.

Passo a explicar.

Vivemos no país do logo-se-vê.

Do pode-ser-que.

Do em-princípio.

A dificuldade que temos em tomar decisões já quase se tornou numa característica nacional.

É qualquer coisa que deve estar nos genes.

Diante de qualquer problema dizer “é assim, vamos a isso”, ou “não, não podemos” são frases que a esmagadora maioria dos portugueses nem sabe como se pronunciam.

Ficam-lhes engasgadas na garganta.

É claro, que às vezes é outra coisa. Lembro-me de ser muito pequenina e ir com a minha tia à Baixa e pedir uma boneca que tinha visto na montra de uma loja. Com voz muito calma ela respondia

“Quando voltarmos para baixo”

(Isso é hoje frase recorrente cá em casa, quando há qualquer coisa que ninguém quer fazer:

“Vai lavar a loiça”

“Quando voltarmos para baixo”

E desatamos a rir à gargalhada.)

Mas falando mesmo a sério: já repararam como isso se reflecte em actividades perfeitamente banais do dia a dia?

Já repararam, por exemplo, na dificuldade que as pessoas têm em pôr fim a um simples telefonema?

“Adeus, adeus, beijinhos, sim, tá bem, adeus, pronto, então vá…”— são capazes de ficar nisto horas seguidas.

Uma amiga minha esteve um mês zangada comigo porque, segundo ela, eu lhe tinha desligado o telefone na cara, coisa que evidentemente ela não admitia a ninguém.

Tudo porque eu pensava que enviar duas doses de “beijinhos” e mais duas de “abraços para todos” seriam suficientes para uma despedida calorosa qb.

Pelos vistos não era.

Nunca é.

Ontem fui embalada ao telemóvel pelas palavras de despedida de uma vizinha o tempo todo que durou a viagem de três estações de metro. Aí não se calava: “Tá bem, um beijo, mas que barulho é esse? Está onde?, sim, sim, desligo já, “ e sempre que me preparava para carregar no botão e desligar, lá voltava ela ,  “até um dia destes, mas que raio de barulho, tenha cuidado, estes telefones andam todos malucos, sim, adeuzinho, obrigada, obrigada…”

Tomar decisões, nem que seja a banalidade de acabar uma conversa telefónica é trabalho demasiado hercúleo para os nossos neurónios.

E é por tudo isto que eu acho que qualquer dos partidos concorrentes às eleições poderia ter adoptado como hino de campanha, para ver se as pessoas se mexiam, a extraordinária canção dos ”Deolinda”, chamada “Movimento Perpétuo Associativo” : depois de se incentivarem as massas—”agora é que isto vai, “temos a força toda, há pernas para andar, já sinto o optimismo”, etc…–lá vem o contraponto, o desfiar de todos os impedimentos –ou “é hora do almoço, ou hora do jantar, ou está a chover, ou dói-me a barriga, ou o me pai não deixa, ou falta um impresso, ou joga o Benfica (ou o Sporting, ou o Porto, ou o Belenenses Sad, qualquer serve…)

Podia ser que as pessoas se reconhecessem—e fossem todas a correr às urnas, para não ficarem mal no retrato

E esperemos sinceramente que isso aconteça.

Mas…

Nós bem queríamos, não é? Pois…Mas há sempre qualquer coisa, percebem?  A culpa nem é nossa…

Olhem…Quando voltarmos para baixo.

(Já agora as urnas fecham às sete…)

 


Poder ler (aqui) as outras crónicas de Alice Vieira.


 

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