Folhetim por Licínia Quitério | “Casa de Hóspedes” (19º. Episódio)

LICINIA QUITERIO
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FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 

Casa de Hóspedes – 19º. Episódio

Chegou o dia de Dona Júlia arranjar cora­gem para, a propósito de nada, perguntar ao Sr. Mário, o senhor desculpe, eu não tenho nada a ver com a vida dos meus hóspedes, desde que respeitem a minha casa o resto é lá com eles, mas anda a fazer-me impressão saber que o senhor está fora da sua casinha, da sua família, nunca lhe perguntei, mas tem filhos, não fique assim, Sr. Mário, foi só uma curiosi­dade, não me leve a mal, eu não, filhos não tive que Deus não quis, não diga isso, um filho é um filho e por muitos trabalhos e mesmos desgostos que dê é sempre sangue do nosso sangue, sim, terá as suas razões, quem sou eu para o julgar, mas que diabo, não há zangas para sempre en­tre pai e filho, qual vê-lo morto, qual quê, não diga isso que até me arrepiei, um pai defende sempre o seu filho, mesmo que ele fosse ladrão, pois é o que eu julgo, não tenho experiência, não, mas tenho coração, ah isso é outra coisa, entre marido e mulher, não, não estou a querer ver-me livre do senhor, nada disso, o que eu queria dizer é que talvez se o senhor fizesse as pazes com a família vivesse mais feliz, que o senhor anda tristinho, eu tenho reparado, não, é assim mesmo, ah bom, mas quem sabe a sua senhora o recebesse de volta, o quê, ela anda a dizer uma coisa dessas, credo, como se eu acreditasse que o senhor fosse capaz duma cobardia, numa mulher não se bate nem com uma flor, não é, Sr. Mário, pronto, não se fala mais nisso, não se enerve, olhe um dia destes vocês fazem as pazes, qual nunca, nunca se diz nunca, coma uma frutinha, sim, diga lá, a sua senhora envenená-lo, ai Jesus, que ideia a sua, foi a bruxa que lhe contou, olhe, Sr. Mário, diz aqui quem sabe que gente dessa só quer é ganhar dinheiro à custa da desgraça alheia, se fosse ao senhor tirava essas patranhas da cabeça, qual adivinha qual nada, se adivinhasse já lhe tinha saído a sorte grande e não precisava de chular o alheio, é as­sim mesmo como lhe digo, não, não estou a tro­çar, Deus me livre, ora coma lá um pêssego que são daqueles de largar o caroço, bem bom não é, diga lá, não senhor, nunca vi a sua se­nhora nem mais gorda, como se costuma dizer, até amanhã, pense no que eu lhe disse, mas não fique zangado, a falar é que a gente se entende, tenha uma noite descansada.

O Zeferino e o Gil foram passar uns dias de férias às casas paternas, que as mesadas, para serem asseguradas, têm de ser cuida­das, e alguns mimos até sabem bem, mesmo que os mimados se mostrem agastados com um beijo da mãe, repenicado, à frente das garotas, ou uma cachaçada que o pai gosta de dar, a afirmar que macho que se preze assim cuida de filho-macho.

 

(continua)

 


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