ENTREVISTA || Ricardo Mestrinho – Presidente da Direção dos Bombeiros da Ericeira

Jornal de Mafra 2019.07.06 20h25m18s 013

 

ENTREVISTA
Ricardo Mestrinho – Presidente da Direção dos Bombeiros da Ericeira

 

Há quantos anos é presidente dos bombeiros voluntários da Ericeira?
Há cerca de 9 anos.

Como é que no plano pessoal sente estes anos ao serviço da associação dos bombeiros da Ericeira?
É um verdadeiro prazer. Não é, garantidamente, por protagonismo. Quando chegámos à direção, tínhamos um objetivo, estabilizar financeiramente os bombeiros, objetivo a que demos continuidade ao longo destes anos.  Não estou agarrado à presidência, até porque, como já aconteceu numa ocasião e poderá vir a acontecer novamente, no dia em que eu entender que já não contribuo para o bem da associação, o meu lugar estará sempre à disposição.

Antes da assumir a presidência da direção, já colaborava com os bombeiros da Ericeira?
Sim, pertenci a uma direção em que era vogal.

Nunca foi bombeiro?
Não, nunca fui bombeiro.

Na realidade, não existem bombeiros voluntários em Portugal

Jornal de Mafra 2019.07.06 20h10m44s 012O que é que o levou a colaborar com os bombeiros da Ericeira?
O meu pai pertencia à direção dos bombeiros. Creio que ele já cá está há uns 30 anos, já nem sei bem. Desde que me conheço, que oiço falar de bombeiros lá em casa, e num momento em que foi necessário renovar a direção, convidaram-me para, como vogal, fazer parte da mesma. Aceitei, pois queria dar um bom contributo às nossas freguesias e ao concelho.

O que é que pensa acerca da possibilidade de fazer enquadrar os serviços de bombeiros na dependência financeira e funcional das câmaras municipais?
Municipalização dos bombeiros? Não defendo isso para os bombeiros voluntários, mas penso que o país tem de caminhar  no sentido de uma cada vez maior profissionalização dos bombeiros. Refiro-me à existência de uma carreira profissional, com os correspondentes salários, de resto, como acontece em todas as outras profissões.

Na realidade, não existem bombeiros voluntários em Portugal, quase todos os corpos de bombeiros, para garantirem a operacionalidade do socorro, têm de ser profissionais. É importante frisar que atualmente, para ser bombeiro é necessário fazer um ano de formação e depois vários cursos de especialização, e têm de tirar o TAT, o TAS, o averbamento da carta.

O socorro dá prejuízo. Cada vez que o CODU enviava alguém para Torres Vedras, os bombeiros da Ericeira tinham de pagar 50 euros

Depois temos o plano legal, se lermos a lei no sentido estrito, ela diz que quem quiser ser bombeiro, tem de ser voluntário, já que tem a obrigação de cumprir um certo número de horas de voluntariado. Mas em contrapartida, temos o código de trabalho, que não obriga os bombeiros a fazer trabalho voluntário. No entanto, penso que teremos de evoluir no sentido da completa profissionalização, embora eu saiba que há muitos presidentes de corpos de bombeiros a pensar que a atividade dos bombeiros terá de assentar no voluntariado.

Na Ericeira, os bombeiros não conseguem funcionar com base no voluntariado. Se optássemos pelo voluntariado, durante um mês, só poderíamos garantir 4 dias de voluntariado, 24 horas por dia.

Quanto é que ganha, atualmente um bombeiro?
Recebe pouco mais do que o ordenado mínimo nacional. Em Janeiro, nós, na Ericeira, procedemos a aumentos, um bombeiro já de casa, e com alguma experiência, pode ganhar entre os 780 € e os 860 € por mês, no período normal, sem horas extraordinárias.

Resumindo, apoia ou não a municipalização do serviço de bombeiros?
No concelho de Mafra já temos um agrupamento de associações de bombeiros, que já serve de base para alguma coisa desse género.
De resto, tudo depende do tipo de dependência das câmaras municipais, que viesse a ser adotado. Os bombeiros em si, creio que não, porque acho que as associações não têm que acabar. Já no que diz respeito ao socorro, possivelmente melhoraríamos muito os custos de produção se fosse tudo agrupado ao nível de carros. Agora…estamos a falar de quintas, de territórios e de instituições que foram criadas há muitos anos. As associações devem manter-se, até podem não ter socorro, mas existem muitos outros serviços que prestamos.

Todos os efetivos que formamos têm emprego garantido

Jornal de Mafra 2019.07.06 20h09m25s 010Quer ser mais concreto?
A nossa maior receita, no fundo, o que paga o socorro, é o transporte de doentes não urgentes. O socorro dá prejuízo. Cada vez que o CODU enviava alguém para Torres Vedras, os bombeiros da Ericeira tinham de pagar 50 euros.

Há falta de efetivos?
Muita. Todos os efetivos que formamos têm emprego garantido.

Quantos operacionais têm aqui a trabalhar?
Empregados, são 30. Depois temos um corpo ativo, 9 pessoas, que é gerido por um comandante e não pela direção do corpo de bombeiros, são os voluntários, os piquetes, aquelas pessoas que não estão cá.

O que é se pode fazer para interessar mais jovens para a atividade dos bombeiros?
Tem que se acabar com esta mística, muitas vezes culpa dos próprios bombeiros, que é muitas vezes representada pelas imagens que vemos nas televisões, quando surgem bombeiros a dormir debaixo dos carros. São a maior vergonha para as instituições e para os próprios bombeiros. Não devemos ter pena de nós próprios. Não vimos um GIPS da GNR a dormir debaixo de um carro.

Enquanto não acabarmos com este estigma que mostra os bombeiros como uns coitadinhos, criado pelos próprios corpos de bombeiros, nós perdemos força e temos dificuldade em captar profissionais, porque esta é uma profissão de futuro, com muita formação.

Tenho de ter outros ramos de negócio que cubram o serviço que dá prejuízo

De quantos homens é que precisava?
Precisamos de mais 10 pessoas.

Quais são os principais problemas com que se debatem os bombeiros da Ericeira?
Se olharmos para esta atividade como uma empresa, temos um problema, pois temos um ramo, o socorro, que dá prejuízo e que nunca irá dar lucro. Em média, de urgências feitas, recebemos do serviço nacional de saúde 16 mil euros por mês, valor que não chega para pagar aos empregados que estão na urgência. Tenho de ter outros ramos de negócio que cubram o serviço que dá prejuízo, e essa é a nossa situação.

Como é que estão os pagamentos do estado?
Estão regularizados.

Quantos anos mais gostaria de se manter à frente dos Bombeiros da Ericeira?
Nas últimas eleições, eu estive para não concorrer. O objetivo é terminar este mandato, eu queria ir-me embora neste mandato.

As contas estão organizadas, mas há muito trabalho para fazer. Por outro lado, atualmente, para se estar aqui tem de se ser profissional, tem de se estar cá muito tempo, tempo que eu não tenho, e de resto, isto cada vez mais tem de ser uma empresa, o trabalho aqui tem de ser diário e continuado. Entrar às 8 e sair à hora que for preciso, porque o serviço aqui já não é coisa para amadores e para pessoas que dão o seu tempo.

Que planos se estão a desenvolver para os bombeiros da Ericeira?
Os planos para o futuro passam por uma reestruturação do serviço de transporte de doentes não urgentes, que é o que dá dinheiro e é o que financia o socorro. Na Ericeira, serviço de transporte de doentes não urgentes dá lucro.

Os planos passam também por um quartel novo. Neste momento as contas estão estabilizadas, a dívida à segurança social está a ser paga, agora temos um bom acordo com a segurança social. Quando cá chegámos, a dívida atingia mais de 200 mil euros. Quando vendermos o quartel, temos também programado pagar a divida à segurança social.

Em relação à construção do quartel, sabemos que irá custar 1 milhão de euros e sabemos já que poderemos vender por 2 milhões e 800 mil euros, este quartel onde estamos atualmente 

Jornal de Mafra 2019.07.06 20h10m14s 011Também não temos uma grande dívida a fornecedores e o nosso maior custo, exceto o que se relaciona com o pessoal, é o custo com oficinas. Por exemplo, temos um carro que ainda não fez um ano e já tem 200 mil quilómetros.

O objetivo a curto-médio prazo, uma vez que as coisas já estão bem avançadas, passa pelo investimento no novo quartel, um investimento programado para valer 1 milhão de euros, mas que é de 1,2 milhões de euros, uma vez que já estamos a contar com eventuais imprevistos, que sempre acontecem.

Já temos um projeto pré-aprovado para este quartel onde estamos, para sabermos com que é que podíamos contar. Já nos avaliarem este quartel em 2 milhões e oitocentos mil euros, mas para podermos vender, temos de saber o que é que será possível construir aqui.

Onde é que vão implantar o novo quartel?
Há de ser sempre numa via de acesso à autoestrada. Já tivemos negociações para várias localizações.

Em relação à construção do quartel, como já sabemos que irá custar 1 milhão de euros e sabemos também que poderemos vender este quartel onde estamos atualmente,  por 2 milhões e 800 mil,  a pessoa que comprar sabe que nós só sairemos daqui quando o novo quartel estiver pronto.

Foi esta direção que pôs a propriedade do quartel em nome dos bombeiros

Vai ser feito por concurso?
Vai ser feito por concurso, garantidamente, e este quartel vai ser vendido por concurso ou em hasta pública. Será um projeto para durar um ano e meio, dois anos.

Ou seja, quem comprar o quartel atual será quem irá construir o novo, é esse o objetivo?
Sim, sim. Naturalmente que ganhará quem apresentar o valor mais elevado para a compra deste quartel em que estamos.

O projeto é feito pela mesma pessoa que fez o quartel de bombeiros do aeroporto de Ponta Delgada, é nesse projeto que nos inspirámos. Um quartel muito bem estruturado, com uma nave única, com todos os serviços posicionados de um modo funcional, com um museu e com uma outra zona que será uma clínica de fisioterapia e reabilitação, e naturalmente, com uma sala para fazer espetáculos e outras atividades.

Este projeto não contempla nenhum acordo entre a associação de bombeiros da Ericeira e o seu atual presidente da assembleia geral, que é também um conhecido construtor civil?
Os estatutos não o permitem e nunca isso esteve em cima da mesa, nem mesmo por iniciativa do próprio. Nunca falou sequer acerca do quartel.

Este espaço parece muito apetecível em termos imobiliários
Não há sitio nenhum na Ericeira que tenha a vista que se avista lá de cima.

O que está aqui previsto, embora tendo em consideração que se trata de uma consulta prévia, são 25 T2, 3 T3 e 2 T1, tem lojas e um espaço de jardim.

Posso dizer-lhe, a título de curiosidade, que foi esta direção que pôs o quartel em nome dos bombeiros.

Em relação ao novo quartel, temos projeto, temos uma pré-aprovação do que pode ser aqui construído, mas ainda nos falta o terreno


Jornal de Mafra 2019.07.06 20h07m11s 009

Então estava em nome de quem?
Não estava em nome de ninguém. Em 1974, alguns associados ocuparam o terreno, que foi depois comprado pela câmara municipal, por 500 contos, doando-o então à associação, mas na realidade nunca foi registado. Quando fomos às finanças, o edifício era nosso, mas o terreno não era de ninguém, era baldio. Mais interessante ainda, mesmo assim, a construção deste quartel foi, mesmo assim, financiada por fundos europeus.

Em relação ao novo quartel…
Temos projeto, temos uma pré-aprovação do que pode ser aqui construído, mas falta-nos o terreno. Precisamos de sair daqui, precisamos de boas vias de acesso, uma vez que no verão, aqui onde estamos, as vias entopem completamente. Precisamos de espaço, temos aqui um quartel em pisos, com pouca comodidade e pouco adaptado ao serviço, aqui, os bombeiros não têm sequer condições para treinar.

Mas, se bem entendi, falta ainda o valor para a aquisição do terreno, não terão necessidade de recorrer a um empréstimo?
Não haverá pedido de empréstimo. Nós não vamos hipotecar seja o que for, para fazer o novo quartel. Não o vamos fazer. Claro está, que vamos ter o apoio da câmara, como não podia deixar de ser, até porque também concordam que temos de sair daqui.

Respondendo à sua pergunta, se tivermos de pedir um empréstimo, não vamos construir nada.

Há muitos terrenos que não são urbanos, e que só podem comportar edifícios de proteção civil ou telecomunicações, tratando-se, por esta razão, de terrenos pouco valorizados. Esta poderá ser uma alternativa.

Na perspectiva do presidente da direção dos bombeiros da Ericeira há algo que tenha ficado por dizer?
Gostava de acrescentar que a Predominante Azul é uma mais-valia para o concelho, embora já tenha lido, no seu jornal, alguém a dizer que aquilo que cobramos aos concessionários é muito. Ora, eu posso explicar facilmente as contas e percebe-se logo que é pouco, embora para os concessionários seja muito. O serviço que prestamos ao concelho é excelente, é elogiado por todos os concelhos e não há concelho nenhum no país, que no início da época balnear tenha, como nós temos, todos os nadadores salvadores.

Tem sido um grande esforço desta direção continuar com a Predominante Azul, até porque mexe com muitos lobbies da Ericeira. É um projeto válido e com qualidade.

 

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