Folhetim | Casa de Hóspedes (9º. Episódio)

CAPA Licinia
[sg_popup id=”24045″ event=”onLoad”][/sg_popup]

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 

Casa de Hóspedes (9º. Episódio)

A Dona Júlia aproveitou a hora do jantar para informar os hóspedes sobre as cerimónias fúnebres do vizinho de baixo. Que o corpo já estava desde as sete da tarde na casa mortuária da igreja de Santa Marta, que fecharia à meia-noite, que achava muito bem, não havia necessidade de ficarem ali toda a noite como se fazia antigamente. O Sr. Mário até acrescentou que era um sacrifício para os vivos e que nada adiantava para o falecido, coitado já não se sentia sozinho, a bem dizer já não sentia coisíssima nenhuma. A D. Adélia ainda opinou que dantes havia mais respeito, as pessoas rendiam-se, traziam uma cafeteira de café e umas bolachinhas para melhor aguentarem a noite em claro, mas ninguém lhe deu muita importância, pelo que se apressou a dizer, pois lá estarei, não é que eu tivesse muito conhecimento com o vizinho, mas simpatizo com a D. Adelaide, sempre muito amável a querer ajudar-me a acartar algum saco mais pesado. O Sr. Mário afirmou, eu também não posso faltar, acompanhar os vizinhos nos dias de luto é dever de um bom cristão. Lá nos veremos, Sr. Mário, disse a D. Adélia, num tom esganiçado seguido de duas fungadelas. A Dona Júlia disse que iria um pouco mais tarde, para deixar a loiça lavada e a cozinha arrumada. Só o Gil e o Zeferino se mantiveram calados, sem saberem o que dizer daquele filme a que pareciam não pertencer. Deram-se uma cotovelada discreta, murmuraram qualquer coisa que ninguém ouviu e depois o Gil disse, a gente depois vê se pode ir ou não. Foram os primeiros a sair da mesa, a Dona Júlia até se admirou, já, então nem tocam na fruta, mas eles disseram não, obrigada, a gente tem que ir.

Ao abrigo do quarto independente, deram largas à risota, o que é que a malta vai fazer, eu nem conhecia o tipo, nem ninguém lá de casa, há cada uma. O Gil contrapôs, eu conheço é a miúda, a filha deles, tenrinha, tenrinha, pá, promete. Ora aí está um motivo para irmos até lá, a miúda deve estar rodeada de velhadas e até pode ser que a malta a anime como puder. Gargalhadas, de novo. Assim como assim, não tinha programa para hoje e tu, eu também não, nada de especial. E assim já temos, queres tu dizer. Por alma do morto, juro que era a última coisa que eu pensava fazer aqui na capital. Chiça, lá na parvalheira fui algumas vezes, que a minha velha não perdoava, mas aqui não deixa de ter a sua piada. Riram, agora mais baixinho, que se podia ouvir no quarto da D. Adélia, mesmo ao lado do deles, e ela não devia achar graça nenhuma às risadas dos senhores doutores, como gostava de lhes chamar. Combinado. Vamos à cena de gatos-pingados e depois venho estudar umas lascas, que tenho frequência para a semana.

 

(continua)

Leia também