Crónica de Alice Vieira | Violência Doméstica

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Alice Vieira

 

Já há uns tempos que falei aqui de violência doméstica, mas acho que nunca é demais voltar a abordar o assunto—até porque as estatísticas são cada vez mais assustadoras.

Há dias ia eu quase a chegar a casa e, na minha frente, seguia um casal já meio entradote.

Ela falava, falava, falava, numa voz baixa e monocórdica, mesmo eu, que seguia atrás deles, não conseguia perceber o que ela dizia.

De repente ele começa a berrar:: “cala-te! Já não te posso ouvir,  cala-te!”

E ela sempre a falar, a falar, sem nunca levantar a voz, ao passo que os berros dele eram cada vez mais fortes:  “já não te aguento mais, cala-­me essa boca!”

E como ela não se calasse, ele dá-lha duas bofetadas que a fizeram cair sobre o carro que estava na rua, ao lado do passeio.

Vou a correr, para perguntar se ela precisa de alguma coisa, olho para o homem—e vejo que é cego.

Aquilo apanha-me de tal maneira desprevenida que fui incapaz de dizer fosse o que fosse (a cara dela , muito séria, a olhar para mim, também não era uma grande ajuda…) e fui-me embora sem fazer nada.

Claro que devia ter feito qualquer coisa—a cegueira não faz de um homem uma boa pessoa! Mas não sei, não esperava nada daquilo e ainda hoje me arrependo de não ter feito nada.

Contei a história na minha página do Facebook—e  o que mais me surpreendeu foi ler comentários de muitas mulheres…a darem razão ao homem! Que a mulher devia ser uma chata, que ele já não devia poder com a voz dela, etc… No fundo, aquele típico argumento do “estava mesmo a pedi-las”.

Nem de propósito, nessa noite uma estação de televisão falava de uma jovem agredida violentamente pelo namorado num supermercado. Batia-lhe , atirava-a ao chão, dava-lhe pontapés—com tal violência que os empregados do supermercado não conseguiram fazer nada, a não ser chamar a polícia.

Ele arrasta-pelos cabelos para fora do estabelecimento, e vai assim até ao outro lado da rua, onde havia umas escadas que davam para a rua de baixo—atira-a pelas escadas abaixo e foge.

Depois de complicadas perseguições a polícia consegue apanhá-lo e identificá-lo–embora ele começasse por dar uma identidade falsa—e prendeu-o.

Vem agora a melhor parte da história: a rapariga, num estado lastimoso, como se compreende, não quis ir ao hospital e recusou-se, terminantemente, a apresentar queixa.

Isto está ainda muito pior do que pensamos.

 

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