Crónica de Alexandre Honrado | Não há para onde fugir

CapaAHonrado
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Em sentido lato somos todos refugiados. Ou pelo menos os nossos antepassados o eram, deixando-nos a herança como um destino a cumprir sempre.

Fugidos de ataques climatéricos, da fome e do desconforto, todos os seres vivos tendem a procurar melhor abrigo e local onde ficar. Mas raramente se permanece – e o para sempre é, regra geral, uma etapa do provisório.

Com as tecnologias produziram-se muitos atalhos, chega-se mais depressa, sabe-se com maior rapidez, embora se chegue muitas vezes atrasado ao que realmente queremos ou devíamos querer e a pressa não conduza a finais de etapas à medida das nossas necessidades.

Tornámo-nos imediatistas, repentistas, e muito solitários.

Olhamos para pequenos ecrãs, cada vez mais pequenos – sem ver o poste onde, inevitavelmente, acabaremos por chocar.

Nesta sociedade voraz, vemos a parte como o todo. Julgamos que os nossos valores são universais. Todavia, gente que se julga famosa só o é no seu pequeno perímetro, canções que “todos cantam” afinal são pequenos trechos desafinados por alguns grupos. Ditadores que se convencem viver para a eternidade rolam pelo passeio mais tarde ou mais cedo. E nem os grandes universos culturais – políticos, religiosos, sociais, culturais em suma – são tão massivos como se pretendem.

A conjuntos de pessoas, atitudes, sentimentos e ideias, correspondem sempre as subdivisões de outros conjuntos, formados por pessoas, atitudes, sentimentos e ideias que dentro dos conjuntos maiores são divergentes, dissidentes, ou simplesmente diferentes. No conjunto de todas as formigas há subconjuntos de formigas distintas e bem identificáveis.

Em sentido lato somos todos refugiados também desses grandes conjuntos que têm por dentro conjuntos mais pequenos.

Procuramos equilíbrios em locais inesperados, em amigos inusitados, em comportamentos aparentemente bizarros. E raramente somos satisfação, até porque não conseguimos satisfazer-nos.

O problema não se prende com qualquer pretensão, nem ambição desmedida – não há definitivamente ninguém que viva acima das suas possibilidades, como alguns tolos acusavam há tempos os mais frágeis, para poderem dominá-los com facilidade. Vivemos o que criamos, o que podemos, o que simbolizamos, o que nos impedem.

Se nem todo o nosso conhecimento deriva da experiência, imagine-se o que é uma sociedade reduzida à repetição da experiência – uma sociedade agarrada todo o dia, todos os dias, aos seus jogos de consola e aos mais tristes programas da curiosamente chamada comunicação social, essa que tem como função a construção social das realidades! ( A construção e não a comunicação).

Somos ainda sensação e intuição. O que nos permite caminhar sempre – sendo em sentido lato, todos nós, refugiados nessa caminhada. Já não há sensualistas – não vale a pena, pois todos têm a pretensão de entender os sentidos. Nem há uma realidade do existente – porque se confunde ficção e realidade, notícias reais e falsas, construções de muros e distribuição de armas com a segurança.

Somos todos refugiados. E cada vez há menos para onde fugir.

 

Alexandre Honrado

Historiador

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