Crónica de Alexandre Honrado | Eu a confessar-me: faço uma coleção (indecorosa) há anos

CapaAHonrado
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EU A COFESSAR-ME:

FAÇO UMA COLEÇÃO (INDECOROSA) HÁ ANOS

 

Há muitos anos já, faço uma coleção pouco dignificante, uma dessas coleções que não têm valor formal e que podem até desacreditar-me aos olhos daqueles que vêm a conhecê-la. Por vezes mostro-a timidamente, como o rapazinho que mostra os dedos sujos porque os mergulhou no boião de doce sem consentimento. Fico corado, a desculpar-me e raramente os meus amigos, convidados a conhecer a minha pequena doença, uma tara segundo os mais atrevidos, raramente, dizia, me dão algum crédito, ou valor ao espólio que já é considerável, só comparável àquelas coisas que Pacheco Pereira guarda na cave desde moço.

A verdade é que, perfeitamente por acaso, acabei minutos antes de escrever estas linhas de encontrar um exemplar perdido que, curiosamente, havia guardado entre as páginas de uma revista Penélope, subtítulo fazer e desfazer história, dirigida pelo meu estimado professor António Manuel Botelho Hespanha.

A peça de coleção estava a marcar um artigo de outro mestre muito   estimado, António Costa Pinto que, à altura, escrevia um belíssimo artigo sobre  O Fascismo e a Crise da Primeira República, prendendo-se com um fenómeno português autorreclamado como “os nacionalistas lusitanos”, quiçá encimado por alguns dos avós que marcaram com os seus ferros as testas pouco ágeis de alguns netos que andam agora entre nós (basta seguir o que se lê nas redes sociais para ver o punhado dos que pararam no tempo).

A minha peça de coleção, dizia eu, está assinalada, no verso, a tinta com a data de Junho de 1989, o que não confere atualidade à minha coleção, dando-lhe em contrapartida uma velhice assustadora.

Vendo bem, amareleceu. O que outrora se exibia em brancura possível, atapetado por alguma tinta de fundo – tenho peças azuis, amarelas, verdes – , tudo se deixou esbater pela passagem do tempo, como os cabelos que ficam em algumas cabeças mais vividas.

Será talvez a altura de dizer que coleção faço – mesmo sem ter o menor interesse no que diz respeito à salvação do mundo, às decisões de tribunal transmitidas alarvemente em direto na televisão, nada que ajude à escassez da água, ao recuo da pegada ecológica, ao aquecimento global, às ideias de Trump ou daquele homenzinho engraçado que julga ser líder da oposição e nem entre os seus lidera o que precisa. É a bizarra coleção de pequenos papéis onde Professores, quase todos astrólogos, cientistas, espiritualistas (até vudus) me oferecem experiências adquiridas em centros especializados em casos difíceis de resolver, como juntar dois amores separados a curto prazo (o texto não é meu, é do Professor em questão), negócios, invejas, maus olhados, saúde – não se sabe se boa ou quase má -, doenças espirituais (essas sim, comprovadamente ruins), impotências sexuais, vício de droga, tabaco e álcool (o jogo não conta) e justiça (talvez as decisões de tribunal em “fuga” de justiça direitinhas para a opinião publicada ganhar umas audiências).

Comparando os contactos anexos nestes papelinhos que coleciono, noto que o mesmo número serve quatro ou cinco professores, provavelmente porque trabalham em clínica privada cooperativa, porque isto, já se sabe, sempre se quis mal ao serviço nacional de saúde e os privados querem é ganhar “o dele”, até com vudus e olho bom, e isso e essas coisas e isto é a gente a falar.

Pronto. Desabafei.

Pensem o que quiserem.

 

ALEXANDRE HONRADO

Historiador

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