MESMO | Perturbação obsessivo-compulsiva

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Saúde Mental e Ocupacional | Ciro Oliveira

 

PERTURBAÇÃO OBSESSIVO-COMPULSIVA

A perturbação obsessivo-compulsiva (POC) é uma doença psiquiátrica comum e incapacitante que reduz de forma significativa a qualidade de vida quer da pessoa afetada, quer da família.

Manifesta-se em aproximadamente duas em cada 100 pessoas. Na infância é mais comum afectar o género masculino e, na idade adulta, o género feminino, ainda que as diferenças entre os géneros sejam pequenas.

Apesar de estarem descritos casos de início abrupto, o início dos sintomas é habitualmente gradual. A idade média de aparecimento ronda os 20 anos de idade, sendo pouco frequente o desenvolvimento de POC depois dos 35 anos de idade.

Se não for tratada, a POC tem uma evolução crónica, sendo a forma mais típica aquela que evolui intercalando períodos de melhoria e de agravamento.

Apesar dos sintomas, a pessoa com POC leva, em média, 7 anos até procurar ajuda, pelo que muitas vezes os sintomas estão muito activos e são incapacitantes, o que prejudica o prognóstico.

As causas que conduzem a esta doença estão, ainda, pouco esclarecidas, sabendo-se que, como quase todas as doenças mentais, resultam de múltiplos factores que, associados, conduzem à expressão dos sintomas. Ainda assim, sabe-se que há uma influência genética importante, uma vez que o risco de desenvolver POC é cerca de 2 vezes superior em familiares de primeiro grau de pessoas com POC. Por outro lado, existem factores ambientais, como, por exemplo, infecções bacterianas que podem conduzir a respostas do sistema imunitário que desencadeiam os sintomas. Aliás, o próprio meio onde a pessoa é educada pode contribuir para a acentuação de traços obsessivos da personalidade.

Do ponto de vista clínico, a POC manifesta-se pela presença de obsessões e/ou de compulsões.

As obsessões podem ser definidas como pensamentos (p. ex., de contaminação), impulsos (p. ex., esfaquear alguém) ou imagens recorrentes e persistentes (p. ex., cenas de violência) que, em algum período da perturbação, são experienciados como intrusivos ou indesejados e que, na maioria das pessoas, causa ansiedade ou mal-estar marcado, uma vez que são sentidas como desagradáveis e involuntárias. Por regra, a pessoa tenta ignorar ou afastar esses pensamentos, impulsos ou imagens, ou mesmo neutralizá-los com outro pensamento ou acção (isto é, realizando uma compulsão).

As compulsões (ou rituais) podem, por sua vez, ser definidas como comportamentos repetitivos (por exemplo, lavar as mãos, ordenar objectos, verificar encerramento do gás/luz/portas) ou actos mentais (por exemplo, rezar, contar, repetir palavras mentalmente) que a pessoa se sente compelida a realizar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que têm de ser aplicadas de forma rígida (por exemplo, fechar a porta um x número de vezes). Na maior parte das vezes, a própria pessoa considera as compulsões absurdas e procura resistir-lhes sem sucesso, pelo que acabam por ocupar muito do seu tempo útil.

A maior parte das pessoas com POC apresenta simultaneamente obsessões e compulsões. As compulsões são tipicamente realizadas em resposta a uma obsessão (por exemplo, pensamentos de contaminação conduzem a rituais de lavagem até que a pessoa se sinta «limpa»). O objectivo é reduzir o mal-estar desencadeado pelas obsessões ou para prevenir um acontecimento temido (p. ex. ficar sujo ou doente). Todavia, frequentemente, estas compulsões não estão relacionadas de forma realista com o acontecimento temido ou são claramente excessivas (por exemplo, lavar as mãos sempre que se toca no manípulo de uma porta). Deve realçar-se que as compulsões não são realizadas por prazer, isto apesar de muitas pessoas sentirem alívio da ansiedade ou mal-estar. 

Para que o diagnóstico possa ser feito, as obsessões e/ou compulsões têm de consumir tempo (por exemplo, mais de uma hora por dia) e causar mal estar significativo. Isto porque não se pode considerar POC numa pessoa que tem pensamentos intrusivos ou comportamentos repetitivos esporádicos (por exemplo, verificar que fechou a porta duas vezes; não se deitar sem verificar que fechou o gás) que são, aliás, frequentes na população saudável. A frequência e a gravidade das obsessões e compulsões varia de pessoa para pessoa, podendo ter sintomas ligeiros (1 a 3 horas/dia gastos com obsessões ou a realizar compulsões) ou graves e/ou praticamente incapacitantes (passar praticamente todo o seu tempo com pensamentos intrusivos ou compulsões).

O conteúdo das obsessões e compulsões é muito variado, mas há alguns mais típicos: limpeza (obsessões de contaminação e compulsões de limpeza); simetria (obsessões de simetria e compulsões de repetição, ordenação e contagem); pensamentos proibidos ou tabu (obsessões agressivas, sexuais ou religiosas e compulsões relacionadas); e violência (medo de fazer mal a si próprio ou a alguém e compulsões de verificação).

É comum as pessoas com POC evitarem locais, pessoas e coisas que desencadeiam obsessões e compulsões. Por exemplo, pessoas com preocupações de contaminação que evitam situações públicas como a ida a restaurantes ou a utilização de casas de banho públicas.

Feito o diagnóstico, o tratamento é, frequentemente, um desafio. É recomendável iniciar-se o tratamento com psicoterapia cognitivo-comportamental, muitas vezes associado a fármacos antidepressivos que atuam sobre a ansiedade, havendo diversos estudos a demonstrar a superioridade do tratamento combinado. Contudo, cerca de 10% dos casos não responde à terapêutica, podendo ter de se recorrer a técnicas terapêuticas mais invasivas como a estimulação cerebral profunda ou a psicocirurgia. Outra técnica, esta não invasiva, é a estimulação magnética transcraniana que tem revelado resultados positivos em estudos piloto.

Sendo a POC uma doença potencialmente incapacitante, o reconhecimento precoce dos sintomas e a instituição de terapêutica poderão conduzir a um melhor prognóstico e, logo, a uma melhoria muito importante da qualidade de vida destas pessoas. Assim, em caso de dúvida, deverá procurar ajuda de um profissional de saúde, nomeadamente o seu médico de família, de forma que este possa fazer uma avaliação e dar o devido encaminhamento.

 

Ciro Oliveira
Psiquiatra do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

 

 

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