Crónica de Alexandre Honrado | Como se morre na praia

CapaAHonrado

COMO SE MORRE NA PRAIA

 

Na minha crónica da semana passada, sobre o trágico acidente que vitimou um casal de turistas, de férias, na Praia dos Pescadores da Ericeira, local que, tal como eu, muitos portugueses já visitaram e olharam com demora retendo-lhe muitos pormenores, alguns comentários foram-me chegando. Num deles, uma simpática senhora dizia que não sabia onde eu – tratava-me por senhor – queria “chegar” com o texto. E eu não percebi, obviamente, onde é que a senhora quis chegar com o comentário que, aliás, arrebatou e acalorou outros comentários.

O meu é este: quis chegar a alguns pontos. À sociedade fria, desumana, sem consideração pelo outro em que andamos a cair, como seres condenados ao imenso vácuo dos nossos pequeninos redutos culturais.

Tornamo-nos numa sociedade de analfabetos emocionais, com tudo à flor da pele e muito pouco em profundidade. Munimo-nos com uma cultura de pacote, ajudada pelos programas mediáticos mais alienantes e sublinhada pelos jornais degradantes, de papel, de audiovisual, de áudio, com a liderança estonteante de uma imprensa medíocre que tenta inventar uma nova língua já que não consegue exprimir-se na sua original. E, a par, com redes sociais onde as pessoas se exprimem em fraquíssimos juízos de valor, coros de queixumes incapazes dos exercícios críticos, usando e abusando de ideias levianas, retomando velhas estratégias de sobrevivência – chamemos-lhe do “tempo do outro senhor” ,  com a recusa do sentido – e dos sentidos – , com percepções medíocres da subjetividade que escolheram para si.

Quis ainda chegar ao facto de que num local onde a morte estava tão viva, se dançou e festejou sem que isso parecesse alterar nada a vida de uma vila que já teve grandes momentos históricos – falei da família real, podia falar do acolhimento de refugiados, dos que fugiam das guerras, da primeira, da segunda, de Espanha e colonial, e até os que abandonaram mais recentemente o pavoroso Brasil das injustiças, dos mortos na rua, dos Presidentes ilegitimamente depostos e presos – que todos ali foram recebidos .

É verdade: até falei da mágoa enorme das vidas perdidas, em tempos remotos e agora tão próximos. E de como são ignoradas se a marcha tem de continuar.

Foi o meu ponto de partida – e de chegada.

 

Alexandre Honrado
Historiador

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