Folhetim | Desvairadas Gentes (4º. Episódio)

CAPA Licinia

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

DESVAIRADAS GENTES (4º. Episódio)

Preço bem discutido.

– Por esse dinheiro compro eu três ali abaixo.

– Venha cá, senhora, que eu não engano ninguém. Pela minha saúde que prefiro não ganhar dinheiro nenhum e estrear-me hoje com uma freguesa tão simpática.

– Deixe-se de cantigas e guarde lá essas gabarolices para a sua mulher.

– Prontos, freguesa, não se zangue que o cigano só quer servir bem o cliente.

E gritava:

– Olha as arcas de macacaúba! Venham ver que pr’a semana não venho. Olha as arcas! É pessoal, esta querida já vai levar três. Venham ver!

Não foram três, como dizia o vigarista, mas duas e não se arrependera do negócio até encontrar outras iguaizinhas, na feira da Terra, por quase metade do preço.

– Olhem, que fique para desconto dos meus pecados, e que o cigano arda nos infernos mais a trupe dele.

As férias de Verão eram invariavelmente passadas na Terra, assim simplesmente chamada porque o nome da aldeia era qualquer coisa terminada em “ões” que preferia não citar para não se sujeitar a trocadilhos maldosos das colegas da Escola em que era Contínua. O carro, já com muitos anitos e sem uma beliscadura, saía da garagem alugada por tuta e meia num barracão pertença da Sociedade Desportiva Recreativa e Cultural Os Amigos do Bom. Iam carregados de geleiras onde transportavam o farnel feito ao serão da véspera da partida e que os alimentaria nas numerosas paragens da viagem. Toalhinha aos quadrados brancos e vermelhos com um “picot” de que a Felismina não ensinava o segredo, loiça e talheres de plástico e sacos do supermercado para o lixo sobrante. Que não eram como esses ordinários que deixam os recantos das bermas cheios de ossos de frango e de cascas de melão. Além de lhes sair muito mais económico, o farnel livrava-os de se sujeitarem a comer porcarias servidas em restaurantes em que, já tinham ouvido falar, os restos dos pratos voltavam à mesa transformados em croquetes. Isto já para não falar do gato, servido por coelho. – Uma nojice, carago! Quanto não valiam os produtos da Terra, tudo ainda sem químicos, que só provocam doenças, olha a Marcela que ficou que nem um bicho, salvo seja, depois de comer aqueles morangos em Maio do ano passado. Não, lá era tudo semeado e colhido em tempo próprio por quem conhecia como as palmas da mão as leis e os caprichos da Natureza. Gente temente a Deus, está visto, a quem não se tinham pegado os vícios da Cidade que, lá isso tinham de confessar, era lugar para se juntar algum dinheirito, desde que houvesse boa cabeça e mão de ferro com as crianças para não caírem em tentações que era o que mais se via por aí.

 

(continua)

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