Crónicas de Jorge C Ferreira | Os labirintos do Poeta

CAPA JORGE FERREIRA.fw

Os labirintos do Poeta

Percorrer as estradas da poesia. Saber dos passos dos poetas. Amar um poema, um verso, um delírio. Do delírio conhecer o momento da loucura. No cabelo ao vento encontrar um sinal de liberdade, de transgressão. Ter os livros que connosco foram crescendo. As palavras inquietas nas páginas impressas. O momento mágico, íntimo, da leitura. Só nós e o poeta. Perceber que abrimos a porta para uma nova dimensão. Que estamos noutra realidade.

Apalpar o corpo para sabermos de nós. Sentirmos toda a imensa magia, que a descoberta duma palavra nova nos traz. Carregar um dicionário de “(in)significados”. Procurar o espaço da escrita. Escrever e ser reescrito. O Poeta a crescer, a desdobrar-se. Múltiplos, saídos do mestre,  vestidos de formas diversas, a ganharem identidade própria, as outras maneiras de escrever o mundo.

Vamos lendo e vamos entendendo o complexo mundo que habita quem cria tanta diferente maneira de viver.  No entanto, por vezes, parece tudo tão simples. Desdobramos as vidas e vamo-nos desdobrando a nós. Uma complexidade que tentamos resolver como uma equação. Um quadro negro cheio de letras e números. O resultado por encontrar. A solução é continuar a escrever.

Entender que o mundo todo pode viver num bairro, numa rua, num quarto sem janelas. Saber pintar desejos nas paredes nuas. Saber que tudo pode ser um corpo de mulher. Saber viajar sem sair do mesmo sítio. Pintar uma árvore e um pássaro numa parede  e alimentar a vida dentro daquelas quatro paredes. Escrever de pé. Pedir esforço ao corpo, dar sentimento às letras. A tinta a escorrer. Um mata-borrão que baloiça. Uma luz sempre acesa.

Amontoam-se vidas em folhas de papel. Coisas para ninguém ler. Alguém, mais tarde, irá encontrar tudo aquilo e lhe dará um nome: espólio. Uma palavra cheia de significados, um mapa de uma vida, de várias vidas. Uma rua fechada ao trânsito. Um labirinto onde quem lá entrar e por lá se prolongar, vai deixando de ser quem era. Uma vida que se modifica com as outras vidas que quer fazer reviver. Um nunca acabar de se reinventar na escrita dos seus outros.

Uma aprendizagem em cada nova frase. De repente um livro que se torna eterno, a eterna insatisfação. Um andar miudinho. As ruas que conhecem e entendem o poeta. Uma igreja onde se deixa de entrar. Desarriscar-se de tudo o que lhe  tinha sido imposto. Tentar saber de si. Tentar encontrar-se na intensa criatividade dos vários “eus” criados. Sobreviver. Conhecer a selva e inventar outra realidade. O mundo que nós criamos. As outras ruas. O mar. As ilhas. A ilha que somos, por vezes arquipélago.

Tentar correr e o coração a deixar um aviso. Voltar aos pequenos passos, à mesma rua, ao mesmo quarto. Acender a luz. Continuar a escrever de pé. Alimentar o pássaro pintado na parede. Nunca deixar de escrever. Nunca deixar de ler. Esquecer as orações, o sinal da cruz, a persignação o que se deixa de entender.  Amar uma mulher ao longe e ser feliz.  Um platónico sentimento. As bebidas de um tempo. Um tempo bebido até ao fim.

Um chapéu de aba larga. Um fato. A compostura de quem desconstrói a vida em cada linha. Um salto de acrobata. Uma brincadeira de criança. Um jogo com regras escritas numa carta, fechada e lacrada, escondida num cofre. Tudo cifrado.

Como são intensas as vidas dos Poetas.

«Olha, estás para aí a falar de livros e poetas e se fosses dar um jeito aos teus livros? Já era altura!»

Voz de Isaurinda.

«Tens razão, um dia destes tem de ser. Tenho de me encafuar ali e só saio quando tudo estiver pronto.»

Respondo.

«Olha, só quando vir. Estou farta de ouvir essa lengalenga.»

De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.

Jorge C Ferreira Jan/2018(155)

 

 

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24 Thoughts to “Crónicas de Jorge C Ferreira | Os labirintos do Poeta”

  1. Madalena Pereira

    Que belo texto/poema! A poesia é um bálsamo para as almas sensíveis! Só me resta agradecer por tão lindo presente. Parabéns, Jorge! Um beijinho

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Madalena. Que bom ler o que escreveu. Grato. Abraço.

  2. Raquel Lameirão

    Que delicioso este poema em prosa, escrito por um poeta com a sensibilidade à flor da pele!!! Como não amar os poetas e a poesia, quando chega até nós e nos deixa extasiados!!!!
    Adorei, e sinto que ganho tanto nesta página!!!!
    Obrigada Jorge!!!! Um abraço!!!
    Até para a semana!!!!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Raquel. Saber das estrelas. Dos caminhos por traçar. Grato pelas suas palavras. Abraço

  3. maria fernanda morais aires gonçalves

    Eu vampira me confesso. Alimento-me das palavras daqueles que de forma abnegada doam todos os dias as palavras e letra a letra deixam nela tudo o que mais profundo existe no seu ser: o pensamento e quando este transborda do amor à raiva, da paixão ao ódio, do sofrimento à alegria, do bem estar ao desconforto, da fome e sede ao saciamento de ambas, a revolta, o inconformismo, a loucura, a sensualidade, que banquete de palavras, meu amigo, os poetas e os escritores nos oferecem. Eles foram afortunados pela sorte quando têm a quem servir as suas iguarias. Penso que tu és um deles. Não te conheço um livro e no entanto, tanta gente à tua volta todos os dias à espera daquele texto que escreves em prosa ou poesia para servires em bandeja.Parabéns!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Fernanda. É isso tudo o que tão bem dizes. Quem escreve sofre e tu que tão bem o fazes, sabes disso. O livro? Não será o livro, por vezes, uma vaidade? Abraço

  4. Isabel Pires

    Belo texto como são belos os poetad, como dizem bem a vida. Obrigada mas é preciso ir arrunar o s livros.’

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Sim, tenho de tratar dos livros. Abraço

  5. Isabel Soares

    Mais um belo texto. A beleza das palavras elevam-nos a outros mundos.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Vamos correr a vida com palavras inventadas. Abraço

  6. Ana Pais

    Quão belas poesias escreve o Poeta. Tal como a maiêutica socrática, dá “à luz” o conhecimento que nos extasia e nos transporta a mundos mágicos e a uma cumplicidade entre o poeta e leitor. ” Como são intensas a vida dos poetas” . Adorei sua crónica Poeta Jorge como sempre. Nunca deixe de nos deliciar com sua poesia. Um abraço com admiração.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ana, Sabe tão bem ouvir as suas generosas palavras. É errante o caminho dos poetas. Abraço.

  7. Esmeralda Machado

    Adorei esta crónica! Obrigada Poeta amigo. Um grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Esmeralda. Que bom que gostou. É muito bom saber. Abraço.

  8. Maria da Conceição Martins

    Que lindo texto Jorge. Tão bom ler o que escreve .
    Amo a Poesia e os Poetas e acho que a vida seria muito mais triste sem Poesia. Até para a semana amigo com livros arrumados ou por arrumar, aqui nos encontramos para mais um belo texto que alegra as minhas segundas feiras.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria da Conceição. Sim, a poesia é uma lufada de ar fresco na nossa vida. Asas que nos sobrevoam. Abraço

  9. Cristina Ferreira

    “(…) que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito? ” FP
    Tão bela esta crónica, querido poeta. A Isaurinda resmunga, mas entende-te tão bem. Nós também e somos-te gratos, muito gratos.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Sim vaguear pela vida dos poetas, do poeta. Também te estou muito grato. Abraço

  10. Célia M Cavaco

    Como admiro todos aqueles que escrevem coisas da vida,riso,lágrimas, e aventuras loucas onde o coração se aperta.Vivências suas,vivências de terras distantes transportadas em sintonia papel e caneta azul céu como bagagem.Ou na era das novas tecnologias a escrita corre simultaneamente com a sensibilidade corrigida no mesmo momento no correr dos dedos pelo teclado.Como gosto de ler-te meu amigo.Até à próxima segunda,até lá quem sabe irá acontecer um arrumar de livros.Se for como eu,tenho-os todos desarrumados num caos quase perfeito…
    Abraço!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Clélia. Encontrar na escrita dos outros, o nosso caminho. Reinventar a vida entre os livros desarrumados. És uma amiga generosa. Abraço.

  11. Ana de Freitas

    Que bem dito, Jorge! Que bem conheces esses labirintos… cegos de tanta luz, ardem os poetas em seus voos e despenham-se feitos pó de estrela.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ana. Que belo o teu comentário. Tu que sabes como é composto o pó mágico da poesia. Abraço

  12. Ivone Teles

    Mais uma vez o Poeta escreve. Fala. Ouvem-se vozes sempre que um poeta escreve e nós lemos. As palavras ganham vida própria e procuram caminhos, os vários caminhos que o pensamento mágico lhes indicou. Não sei como há quem não ame a poesia e os poetas. Os vários encontros. Palavras que nascem e encontramos para além do parto. Loucas palavras que nos procuram Quando as encontramos podem já ter outros significados. As palavras inquietas que crescem com outros sentimentos. Fazemos delas novas estradas por onde caminhamos à aventura. Fazer nascer palavras só nossas e ficarmos inquietos, como pais que se preocupam com os trilhos percorridos pelos filhos. Poesia, palavra/ Mulher, que pode apoderar-se da alma de outro alguém e faça um poema/ Vida. Serão novas palavras, novos significados, Chamam-lhes neologismos. Gostava mais que fossem chamadas pássaros, flores nuvens, luas, porque é deles que são filhas.
    Obrigada, Poeta meu amigo. Não nos faltes com as tuas palavras. Arruma alguns livros, mas deixa outros a possuírem-te. Diz à Isaurinda como são parte do teu corpo e do teu espírito e como tens de lhes roubar sentidos para as/os amigos. Ela vai entender, porque faz parte do teu mundo mágico. O meu abraço/mundo, o meu beijo/ estrela. Bem vindo sempre, Poeta e Amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone. Que belas as tuas palavras. A magia da poesia. A vida inteira de um homem só com as suas palavras. Os poetas inteiros. A poesia toda. Abraço.

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