Folhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (10º. Episódio)

CAPA Licinia

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 

BENVINDA – Uma História de Emigração (10º. Episódio)

Sempre boa aluna, a minha Berta, quem a queria ver era agarrada a um livro. Como a gente não tinha dinheiro para os comprar, ela passava muitas horas nas bibliotecas. Se visse agora a casa dela em Saint-Germain, paredes forradas de estantes cheias de livros, eu até acho que é dinheiro mal empregado, mas ela fica furiosa e diz que a vida sem livros é um deserto, talvez, não sei, coisas que ela diz e que eu não entendo bem ou, por outra, até entendo mas gosto de a contrariar, de a ver com aquele jeito bravo que já tinha em miúda. Eles crescem, tão depressa que crescem, e a gente fica com saudades até do choro deles no tempo da miséria. Agora estão para lá e os velhotes aqui em Brandar, a terra que é a nossa e onde havemos de encontrar o eterno descanso.

Ela costuma vir ver-nos todos os anos no Verão, às vezes no Natal, mas aí é mais complicado porque, desde que se separou, os filhos têm de estar também com o pai, coisas destes casais de agora, anda tudo tresmalhado, já ninguém se atura como antigamente, não digo que seja amor a vida toda, mas é bonito a gente ficar juntos até ao fim. Falo eu assim porque nunca o meu Bento levantou a mão para mim e a única vez que se atreveu a andar com uma mastronça saiu-lhe cara a graça, só lhe digo que ainda hoje ele não pode ver um sapo, mesmo longe da tijela da sopa, faço-me entender? Concordo, muita porrada levaram as mulheres do meu tempo, era comer e calar, aqui na terra homem que não molhasse a sopa na mulher não era homem com eles no sítio, enfim, outros tempos, melhores numas coisas, piores nas outras, é a vida.

Num dos melhores liceus da cidade, Berta, a portuguesita mal vestida, mergulhou num mundo novo, de alunas de outras origens sociais, de outros países, mas também de algumas poucas portuguesas que, tal como ela, por ousadia e acaso, ali vieram parar, a ombrearem com os melhores. Raparigas adolescentes, com a vitalidade a brotar de todos os poros do corpo, a aprenderem as manhas de adultas, mas também a generosidade que lhes fazia crescer amores primeiros, sonhos de correr o mundo, de mudar o mundo, de mandar no mundo, tão pouco afinal era ainda o mundo que sabiam.

(continua)

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