Folhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (11º. Episódio)

CAPA Licinia

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 

FOLHETIM – A História de Benvinda (11º. Episódio)

 

Não era fácil de fazer amizades, a Berta. Ainda não largara aquele seu jeito de olhar desconfiado, de presa farejando o caçador. Metiam-lhe medo os homens, depois que um a agarrou num canto escuso dos corredores do metro e a apalpou e só a largou quando ela o mordeu com tanta força no nariz que ele desatou a fugir com as mãos a tapar o rosto e a rosnar, “sale putain, sale putain”. Entretanto aproximavam-se pessoas e ela a compor-se, não queria que ninguém desse pelo sucedido, a subir as escadas do metro a correr, a continuar sempre a correr até chegar a casa e deitar-se, a dizer à mãe que lhe doía a barriga, por longo tempo o corpo todo a tremer debaixo da roupa como se estivesse ao vento, esta rapariga anda esquisita, anda.

Mal acabou o liceu foi à procura de trabalho, ora bem, corpo teve ela muito cedo, o meu medo era que se perdesse com os homens que a galavam com os olhos. Nós mulheres sabemos a história do lume ao pé da estopa, mas o que me sossegava mais um pouco era ela ser assim brava, nada de se deixar prender, rapariga com muitas ideias de liberdade, de dizer que homens e mulheres valiam o mesmo, uma vez disse isso ao pé do pai e a cabeça dela foi direito à parede com o chapadão que levou. Não aprendeu, já deu muitos tombos, mas continua a mesma de nariz empinado. O casamento só deu tempo para fazer dois rapazes, verdade se diga que o gajo não a merecia, não tinha unhas para ela.

Trabalhou e estudou, estudou e trabalhou, a Berta, que hoje é professora na Sorbonne onde fez os estudos superiores. Foram anos de matar o corpo e a cabeça, de aceitar todos os trabalhos que apareciam e lhe permitiam ganhar o sustento. Fez limpezas, tratou de idosos, tratou de jardins, foi ama de meninos, levou cães a passear, fez tudo o que as francesas não faziam, as Marias eram bem jeitosas para todo o serviço. Só quando Berta as mandava à merda, lhes virava as costas e dizia, faça você melhor, elas acrescentavam, jeitosas mas pouco civilizadas, gente do sul é assim.

 

(continua)

 

 

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