Crónicas de Jorge C Ferreira | Passear a Vaidade

CAPA JORGE FERREIRA.fw

Passear a Vaidade

Quando a vaidade invade um corpo, não o engorda, torna-o balofo. Gente que se maneia, um bamboleio que nem chega a ser transgressor. Berloques e penduricalhos. Uma alfinetada e a vaidade esfuma-se. São ruas e ruas desta gente. Gente que, de tão convencida, não cabe em si. Chiados de subir e descer. Sorrisos e adeus. Balões de ar quente partem do Castelo. Voos sem destino. Não se sabe quem vai viajar.

Pessoas que pensam que são tudo, que chegaram ao topo do mundo, que todos lhes devem e ninguém lhes paga. Mostram a casa e a vida. Saem nas revistas do faz de conta. Têm filhos com partos filmados. Exclusivas que vendem. Vendem-se, vendem tudo para comprar o que não faz falta, o supérfluo, o que envergonha. Fazem bolinhas com o fumo dos cigarros. Os lábios carnudos desenhados numa clínica da especialidade a dar erotismo ao acto. (A Emanuelle acho que o fazia de outro modo.) Chegar a um “reality show” de celebridades, a suprema ambição. Ter um cachet só para estar e se mostrar. Depois, as presenças. Tanto trabalho!

São as tias e as sobrinhas do “detox”, das enormes dietas, das caminhadas, dos ginásios, da folha de alface e da maçã. Canso-me de as ver caminhar. Uma “pochete” de marca, comprada na feira de Carcavelos e uma testa sem rugas. Rostos sem expressão. Já não suam. Dizem que parece mal. Limpam-se com toalhitas. Coisas muito íntimas, segredos de gente bem.

As celebridades dos croquetes que estão presentes em todos os eventos. Por vezes são penetras. Sempre com a melhor indumentária. Os sapatos de sola colorida. Vão a todas. Por vezes abicham um brinde e ficam comidas para uma semana.

Inventam amores e férias de sonho. Avisam os “paparazzi”. Um negócio que rende. Fazem-no sem qualquer pingo de vergonha. Sabem que as pessoas irão comprar as revistas. Os das revistas pelam-se por isto. Tudo o que venda é para publicar. É mentira? Logo se vê. A justiça é lenta.

Há quem seja apanhado nestas teias. Gente crédula. Alguma ingenuidade. A maioria é tudo combinado. Um roteiro de uma telenovela rasca. A corda a esticar. A vergonha não existe.

Muito deste pessoal dá-se bem com os poderes instituídos. São amigos e amigas do peito. Os beijinhos cúmplices, as mamas postiças encostadas ao fato cinzento do “CEO” duma empresa importante. Um ministro que também gosta destes andamentos. Uma música que é tudo menos erudita.

Os meninos num Colégio caro e com nome. Não, não é para aprenderem, é para ficarem com uma agenda de contactos. Depois as tais faculdades e as juventudes de mau nome.

Uma canseira este mundo que nos invade a vida. A falta de princípios. As máscaras. O carnaval o ano inteiro. “Não olhar a meios para atingir os fins.” Um desgosto que se sente. Um todo fora do sítio. Um sítio sem nada, o vazio.

De repente um incêndio. Tudo a arder sem controlo. O chão a tremer. Os corpos a tombarem. Porque tudo era a fingir. Tudo mentira. Tudo falso. Tudo cirurgicamente desenhado. Tudo terrenamente destruído. Há quem lhe chame desastre. Outros, mais apocalípticos, o juízo final. Os bichinhos e os fornos esperam insensíveis.

Fugir não adianta!

«Olha que tu hoje estás de todo! Vai haver quem não ache piada a isto. Eu gosto.»

Voz da Isaurinda.

«Olha que bom, o que eu gosto desse teu falar. Obrigado, minha querida.»

Respondo.

«Sim, sim, mas não embandeires em arco. Estou sempre de olho no que fazes.»

De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.

Jorge C Ferreira Jan/2018(154)

 

 

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28 Thoughts to “Crónicas de Jorge C Ferreira | Passear a Vaidade”

  1. Anabela Tolda

    Amei. Tantas verdades. Tão pouca inteligência. Conheço tanta gente assim.

  2. Isabel Soares

    Que belo retrato da feira das vaidades.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Grato por ler, gostar e comentar. Abraço

  3. Isabel Soares

    Que belo retrato da feira das vaidades. Um prazer lê-lo.

  4. Idalina Pereira

    O desfilar desta gebtinha tão cheia de nada…são fúteis….completamente ocas de tudo. Valorizam o supérfluo, esquecendo que na derradeira hora nada disso importa.
    Gisto da simplicidade. Detesto esta gentinha.
    Obrogada pir trazer mais um tema tão atual. Um abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Idalina. O parecer e o ter em bez do Ser. Grato pelo seu comentário. Abraço

  5. Isabel Pires

    Que canseira essa gente. Obrigadapelo belo texto. Abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Tem razão. Cansam mesmo. Grato pe o o comentário. Abraço

  6. Raquel Lameirão

    Bom Jorge!

    Que mais para dizer amigo! Disse tudo!!! E bem dito como sempre! Vidas de papel….que se desfazem à primeira dificuldade….vidas de fazz de conta em alturas em que tudo é difícil!
    Parabéns! Que bom que é viver para nós….não para o que ps outros pensam!!!!

    Abraço!!!!!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Raquel. Saber o sentido da vida o valor do Ser. Abraço

  7. Eulália Pereira Coutinhox

    Não é ficção. É real. Uma riqueza tão pobre que até dói. Um parecer que não dá lugar ao ser. Tanto desamor!
    Que dias estes!
    A Isaurinha sempre atenta. Aconselha, avisa…
    Gosto desta Isaurinha, intervém no momento certo e em poucas palavras diz ao que vem, sem falsidade, sincera, fiel.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Verdade, uma grande pobreza. A Isaurinda é a minha eterna consciência. Abraço.

  8. Branca Maria Ruas

    Gente pindérica que só dá valor ao TER e que não chega aos calcanhares de quem “só” sabe SER!
    E há tanta gente assim…!!!
    Só conseguem ver o que está por fora. Só contam as aparências. Mãos largas para a ostentação mas forretas para o essencial.
    Há uns anos, uma amiga passou um fim de semana em casa de gente dessa. Um casarão numa quinta. O que lhe valeu foi, na altura, ainda fumar. Com a desculpa de ir comprar tabaco, teve que ir a um café comprar uma sandes porque o jantar lá em casa era um peixinho que tinha que dar para todos.
    Então não vale mais uma casa de gente simples onde todos podem comer, rir e conviver sem peneiras?
    Já não tenho paciência para a arrogância nem para a hipocrisia e esses que não olham a meios para atingir os fins, quero-os bem longe!
    Parabéns, Jorge! Tocaste nos tiques todos! E viva a Isaurinda!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria. Quanto vale uma boa conversa ao serão. Uma conversa sobre a vida e o prazer, uma conversa sem manias. Faço ideia o que a tua amiga sofreu. Abraço

  9. Célia M Cavaco

    Um texto realista e bastante crítico a uma realidade que nós” plebeus” assistimos em jeito de comédia.Meu querido amigo,acabei por me rir de algumas situações descritas no texto as quais eu conheço e sei que nada é inventado.Tenho alguém que diz que os “Taparueiros” foram inventados para a malta do croquete.Abraço meu amigo,até segunda feira

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Célia. Que gentinha, querida amiga! Sabes como são. Abraço

  10. Ivone Teles

    Feiras de vaidades de todos os tempos, mas talvez exageradamente, agora. Um mundo do parecer que tem, para aparecer, para ser visto, para comer de dedo esticado e sair na revista da ” gente que se diz bem”, roçando as vaidades pelas esquinas da vida que julgam reconhecer-lhes em valor. Fazem-me pena. Não podem ser felizes, porque são tristes pobres de espírito.” São tias e sobrinhas do Detox “, dizes e bem. Emagrecem em ginásios da moda e usam a moda, possam, ou não. O pior é serem, muitos deles e delas, pobres de espírito. Infelizmente há quem se aproveite e os use. Uma tristeza. Fazem-me pena, repito.

    Querido Jorge, de sapatilha e ganga quero ir com a Isaurinda e ficar ” de olho em ti ” para te proteger de quem não gosta. das palavras que digas. Já dizia o Sérgio Godinho: “pode alguém ser quem não é, pode alguém ser quem não é……..”.

    Continuemos a SER com o que temos, dignamente, como gente de BEM e não ” gentinha bem” Há lá coisa melhor? Beijinhos muito amigos

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone. Continuarei aqui, firme e do lado do Ser. Espero nunca te desiludir. Abraço

  11. Ana Pais

    O parecer e não o ser , o vazio das pessoas , tudo retratado na sua excelente crónica. O desfile da vaidade , da futilidade , da mentira , gente artificial. Enfim , a realidade de alguma sociedade do nosso mundo. A Isaurinda de pano na mão , sempre orgulhosa de seus textos e bem atenta . Como muito bem diz, é uma canseira… Um abraço poeta , Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ana. Disse tudo, grato pela sua atenção. O meu abraço

  12. Cristina Ferreira

    Lúcida, realista esta crónica. A sensatez da Isaurinda só podia fazer com que ela também gostasse – Estou com ela, claro que sim. Com ela também irei estar “sempre de olho no que fazes” . Obrigada e até para a semana.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. É bom saber que estás aí, desse lado. Abraço.

  13. Esmeralda Machado

    Usam máscaras todo o ano! Tudo para serem da “elite”. Só falsidade.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Esmeralda. As elites são e devem ser tão diferentes. Talvez por isdo o nosso País seja como é. Abraço

  14. Elisabete Lourenço

    Parecer em vez de ser, ter é o mais importante…até mudam de voz para parecer???

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Elizabete. Os tiques e os trejeitos. Uma lástima. Abraço

  15. Fernanda Luis

    “Passear a vaidade”. Simplesmente genial. Ri imenso.
    Vai uma selfie?! Acrescento eu?
    Concordo plenamente.
    Abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Fernanda. A selfie, tem razão, faltou a selfie. Fica a foto de “família”. Abraço

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