Folhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (7º. Episódio)

CAPA Licinia

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 

BENVINDA – Uma História de Emigração (7º. Episódio)

Medo teve também Berta, os olhos muito vivos a perscrutar as águas escuras, as margens escuras que se aproximavam, o miúdo agarrado a ela, a tremerem os dois, no silêncio só quebrado pelo chape-chape dos remos.

Passado o rio, os pés em terra seca, os olhitos cheios de lágrimas de medo e de frio, lá foram levados pelo homem que afinal até parece que tinha coração e pegou o garoto ao colo, para que não fizesse barulho, sim, mas também porque lhe lembrava o mais novo dos cinco que lá tinha em casa, tamanhinho como ele, àquela hora decerto a dormir enroscado nas mantas e no corpo da mãe. A cada passagem que fazia, o homem jurava que seria a última, mas a maquia que cobrava era bom acrescento ao que o amanho da terra lhe dava, cada vez mais pobre, a terra, cada vez mais pobres, eles que a trabalhavam. Sabedor de caminhos escusos por essas fronteiras de ninguém, compadre do guarda Bretiando, o cara-de-fuinha do Bretiando, que aceitava os presentes com ar de desdém, põe ali isso, para a próxima vê lá se me trazes cebola mais grada, o Bretiando, dono das putas mais rendosas da região, era esse mesmo Bretiando que lhe valia por fingir que dormia nas noites das passagens. Faço isto pelo meu afilhado, hei-de fazer dele um homem valente, que tenha orgulho no padrinho, mais que no pai que não passa da cepa torta. A dizer isto dava uma palmada nas costas do passador, estou a mangar, homem, a ver se arrebitas, que às vezes me pareces um bocado mole, para moles bastam as mulheres, e isso até é bom, antes que se armem em machonas. O barqueiro fazia um arremedo de sorriso, que queria dizer aceitação, que queria dizer desprezo.

(continua)

 

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